O Uganda foi a votos a 14 de Janeiro. Yoweri Museveni, na presidência desde 1986, foi reeleito, pela sexta vez, com 58% dos votos, o pior resultado de sempre. Em segundo lugar ficou Robert Kyagulanyi (na foto), um deputado e cantor conhecido como Bobi Wine. Recebeu 34% dos votos. Tinha quatro anos quando Museveni (que já fez 76) tomou o poder.
Na era do digital – e com o presidente em exercício a controlar a televisão, rádio e imprensa oficiais –, a oposição migrou para as redes sociais tomando partido da forte expansão dos telemóveis (mais de metade dos ugandeses têm um e 24% usam a Internet) e da idade dos votantes (78% tem menos de 30 anos e usa à vontade as redes sociais).
Wine capitalizou os sentimentos de frustração e raiva dos jovens, que só conhecem o regime do presidente Museveni e sofrem de desemprego crónico (cerca de 70% não têm trabalho). Twitter, Facebook, WhatsApp e as plataformas de vídeo (com transmissões em directo de cargas da polícia, comícios e espectáculos) serviram para veicular as suas mensagens.
O velho presidente usou mais os meios de comunicação do Estado para chegar ao seu eleitorado numa campanha marcada pela violência das forças da ordem contra a oposição com inúmeras prisões e algumas mortes. O Facebook desactivou contas afectas à campanha do presidente por difusão de notícias falsas. Talvez em retaliação, a Comissão de Comunicações do Uganda decidiu desligar as redes sociais e as plataformas de mensagens dois dias antes do voto e, 24 horas depois, a Internet para «evitar interferências externas» no acto.
O apagão digital – que durou quase cinco dias até 18 de Janeiro – dificultou os planos da candidatura de Wine para conduzir um escrutínio paralelo com os resultados enviados directamente das mesas de voto e documentar fraudes na contagem recorrendo às tecnologias da informação e comunicações.
A decisão de desligar a Internet afectou sobretudo o comércio digital, cada vez mais popular em tempos de pandemia. Calcula-se que as mais de 100 horas sem rede custaram cerca de 7,5 mil milhões de euros às lojas de retalho, serviços de táxi (em Campala há cerca de seis mil mototaxistas inscritos em plataformas digitais), comércio electrónico e pagamentos. O apagão, inclusive, adiou a entrega do segundo avião Airbus 330 Neo à Uganda Airlines.
Não foi a primeira vez que um governo desligou o acesso às redes sociais durante as eleições. Nos últimos cinco anos, Burundi, Camarões, Guiné, Guiné Equatorial, Gabão, Gâmbia, Togo, Tanzânia, Benim, República Democrática do Congo, Maláui, Mali, Mauritânia e Serra Leoa também o fizeram.
Os governos africanos sentem cada vez mais dificuldade em controlar a narrativa da actualidade na era digital e a fronteira entre a liberdade de expressão e a sua manipulação é cada vez mais ténue. Angola, Tanzânia, Uganda, Maláui, Suazilândia e Zimbabué já introduziram legislação para regular o que chamam «abusos das redes sociais» e proteger a segurança nacional de actores externos. Zimbabué e Lesoto estão a caminho.
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