Opinião
01 abril 2021

Pontes de paz e fraternidade

Tempo de leitura: 4 min
O Papa Francisco foi ao Iraque como um peregrino da paz, um filho de Deus, um irmão entre irmãos, que quer partilhar com todos os crentes o sonho de uma nova ordem mundial.
Bernardino Frutuoso
Director
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A histórica viagem do Papa Francisco ao Iraque – que destacamos nesta e na anterior edição da Além-Mar – não teve grande repercussão mediática, seja pela pandemia, seja porque não se realizaram grandes eventos multitudinários. Neste país, a comunidade cristã é uma minoria, pois foi duplamente castigada: primeiro pela guerra e, posteriormente, pelo acossamento do autodenominado Estado Islâmico, que originou martírio e exílio.

Nas ruínas de Mossul, o Santo Padre, pastor próximo e solidário, deu visibilidade ao drama deste povo e abraçou a dor desses cristãos perseguidos que, não obstante as dificuldades, continuam a viver com esperança e alegria, acreditando que um futuro melhor é possível. O papa encorajou-os a serem promotores da concórdia, mas também defendeu o seu direito a confessar a fé em Jesus Cristo, em segurança e sem que por isso sejam considerados cidadãos de segunda classe.

O pontífice foi ao Iraque como um peregrino da paz, um filho de Deus, um irmão entre irmãos, que quer partilhar com todos os crentes o sonho de uma nova ordem mundial, estabelecendo relações de fraternidade e fazendo florescer a comunhão, a paz e a tolerância. Por isso, esta viagem foi também uma aposta no fortalecimento do diálogo inter-religioso, hoje uma tarefa urgente e imprescindível.

No encontro inter-religioso, na planície de Ur, o papa sublinhou: «Nós, descendência de Abraão e representantes de várias religiões, sentimos que a nossa função primeira é esta: ajudar os nossos irmãos e irmãs a elevarem o olhar e a oração para o Céu. […] No mundo actual, que muitas vezes se esquece do Altíssimo ou oferece uma imagem distorcida d’Ele, os crentes são chamados a testemunhar a sua bondade, mostrar a sua paternidade através da nossa fraternidade.» E o papa acrescentou que a prática da fraternidade religiosa implica o serviço da fraternidade universal, na linha do que escreve na encíclica Fratelli Tutti: «O culto sincero e humilde a Deus […] leva ao respeito pela sacralidade da vida, ao respeito pela dignidade e a liberdade dos outros e a um solícito compromisso em prol do bem-estar de todos» (cf. FT, 283).

Recordemos que para relançar o diálogo inter-religioso foi muito importante a aliança que, no ano de 2019, o papa selou com o maior representante do mundo muçulmano sunita, Ahmed el-Tayeb, o grão-imã de Al-Azhar. Os dois guias religiosos e espirituais comprometeram-se a adoptar a cultura do diálogo, a crescer na colaboração e no conhecimento mútuo, convidando os crentes a participarem activamente na construção de uma cultura de paz, tolerância e sã convivência. No Iraque, Francisco deu mais um passo nessa rota ao reunir-se com o grande aiatola Ali al-Sistani, o líder mais influente dos xiitas.

Estamos cada vez mais conscientes da relevância das religiões no mundo e do seu papel na construção da paz. Nesse sentido, estas duas pontes estabelecidas por Francisco são passos notáveis no caminho da fraterna comunhão com o Islão, comprometendo as duas religiões – e cada um dos seus crentes – na defesa da paz e da dignidade da vida, no respeito dos direitos humanos, na luta pela justiça social e pelo bem comum.

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Editorial
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