Opinião
29 abril 2021

Desafio ecológico de fragmentar para integrar

Tempo de leitura: 3 min
À crise ambiental sempre estiveram associadas as crises antropológica e espiritual, mas reconhece-se pouco que o relacionamento entre nós e a Natureza esteja fragmentado.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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O Papa Francisco propôs a ecologia integral como uma visão global que abrange os ecossistemas, os relacionamentos humanos e a sensibilidade a dois gritos, o da Terra e o dos pobres. Interessante que tenha usado a palavra «integral», porque essa estrutura matemática – o integral ∫ – poderá ir mais longe no seu significado do que poderíamos pensar.

Um integral matemático une o que está dividido em ínfimas partes. Nesta metáfora, a dificuldade que temos em compreender as reais implicações de um colapso ambiental causado pelos nossos estilos de vida poderá estar numa vida cada vez mais fragmentada, sobretudo no tempo, na atenção e na espiritualidade.

Elizabeth Bennett, vice-presidente para a conservação das espécies da Wildlife Conservation Society, afirmou, recentemente, a necessidade de restabelecer a integridade ecológica, reparando o relacionamento entre nós e o mundo natural. Nada de novo. Mas, curiosamente, especifica a conservação e restauro dos valores culturas e espirituais dos povos indígenas, sem generalizar a todos os povos do mundo. Será que a cultura e a espiritualidade deixaram de ter valor para o mundo tecnologicamente avançado? Talvez.

À crise ambiental sempre estiveram associadas as crises antropológica e espiritual, mas reconhece-se pouco que o relacionamento entre nós e a Natureza esteja fragmentado. E as soluções tecnológicas resolvem parte do problema, mas como argumenta extensivamente Bill Gates no seu recente livro Como Evitar um Desastre Climático, será preciso fazer as escolhas difíceis se quisermos reduzir para zero o nível de emissões de CO2 equivalente para a atmosfera. São passos gigantes. E, num mundo permeado pela gratificação instantânea, uma inversão cultural a este nível pode tornar-se hercúlea.

Diante de uma tarefa complexa e enorme, uma pessoa sente-se cansada antes de ter dado o primeiro passo. O segredo será partir o que temos para fazer em pedaços tão pequenos que o nosso cérebro não consiga recusar. Ou seja, para enfrentar alguns dos maiores e mais urgentes desafios ambientais será necessário fragmentar, parecendo um paradoxo em relação ao espírito da ecologia integral do Papa Francisco.

Talvez as metáforas matemáticas ajudem a encontrar o sentido dos passos a dar. Se o integral une, a derivada fragmenta. Mas o que a estrutura matemática da derivada permite saber é o grau de sensibilidade de algo em relação a qualquer coisa. E as questões ambientais exigem um equilíbrio sensível entre fragmentar ideias para as tornar realizáveis, e integrar os relacionamentos para sermos mais fortes e firmes nas escolhas difíceis.

Creio que um primeiro passo seria unir as dimensões física, mental e espiritual no nosso interior. Algo ao alcance de todos. E perceber que passar tempo com a Natureza realiza essa união. O aprofundamento espiritual é um ponto esquecido neste esforço humano para equilibrar o relacionamento com o mundo natural, mas é talvez o pequeno passo que pode fazer a grande diferença. 

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