Não faz sentido haver países desenvolvidos quando a realidade é a de que todos estamos em vias de desenvolvimento. Ser desenvolvido nada tem a ver com a riqueza, ou nível tecnológico, mas com a capacidade de comunicar cooperando. Por isso, no contexto digital da actual vida social, é necessário distinguir redes sociais de relações sociais. A nossa mente evoluiu pela crescente capacidade de nos relacionarmos uns com os outros. E não há tecnologia de rede social (social media) que tenha a capacidade de fazer isso. Basta pensar nos bebés.
Vários estudos realizados a crianças relatam como a baixa reactividade dessas se relacionava com uma vantagem para cooperarem e comunicarem. E a baixa reactividade influencia, também, a velocidade com que desenvolvemos a capacidade de cooperar e comunicar. As redes sociais tendem a promover a reacção das pessoas ao que se partilha. E quando reagimos pensamos menos nas razões subjacentes à partilha de alguém. Logo, em vez de aprendermos a nos colocarmos na pele do outro, o que favorece o amadurecimento de qualquer relacionamento, corremos o risco de nos alienarmos do outro e perder o controlo sobre as nossas emoções.
Lembro-me do tempo em que era activo nas redes sociais, ou nos blogues, passando horas a responder a comentários, reactivamente. E, pouco a pouco, a minha agressividade aumentava nos comentários que fazia, por não conseguir que o outro compreendesse o que dizia, e estar sempre a distorcer os meus argumentos. Infelizmente, esse contexto digital afectava o social, e na família tinha menos paciência para escutar por estar sempre a pensar no argumento do próximo comentário. As redes sociais estavam a prejudicar as relações sociais. Era tudo uma questão de auto-domínio.
Será uma criança (ou adulto) capaz de olhar para uma montra de doces e não salivar da boca? A diferença entre a criança e o adulto é que o segundo precisa mais de auto-controlar-se do que a primeira. Pois, uma criança precisa do acordo do adulto para saciar o desejo. Por isso, o auto-domínio da nossa vontade é uma das capacidades cognitivas que só sabemos apreciá-la quando a perdemos.
Quando alguém comenta algo que partilhamos nas redes sociais é difícil não responder a esse comentário. Ou, quando partilhamos algo, torna-se difícil, também, não ir ao mural, de vez em quando, ver se a nossa partilha gerou reacções. Esta atitude de reagir entra, gradualmente, nos grupos WhatsApp, onde se distingue, cada vez menos, aquilo que é uma mensagem dirigida a alguém, ou a alguém através do grupo. A primeira seria uma mensagem pessoal, enquanto a segunda usa a mensagem pessoal como reacção social. As redes sociais estimulam as reacções em vez das relações sociais.
No seu livro ”A sobrevivência do mais amigável” (não traduzido para português), Brian Hare e Vanessa Woods referem como a relações sociais foram cruciais para o desenvolvimento da nossa espécie. Numa relação social, existe o retorno dos outros em relação a algo que fazemos. Logo, se alguém inventava uma coisa nova, o retorno “amigável” que recebia dos outros fortalecia os laços entre as pessoas, e acabava por servir de impulso ao desenvolvimento do génio humano criativo em cada pessoa. Como dizem Hare e Woods – «ao longo das gerações, os indivíduos com os perfis hormonais e de desenvolvimento que favoreciam o ser-amigável, e, nesse sentido, a comunicação cooperativa, eram os mais bem sucedidos.»
O auto-domínio combinado com a baixa reactividade cria em nós uma vantagem adaptativa para desenvolvermos formas únicas de cognição social. Isso favorece a criação de relações sociais com impacto civilizacional. As redes sociais favorecem o oposto, e é cada vez mais difícil entender isto antes de sentirmos os seus efeitos nocivos. Por detrás dessa dificuldade está a nossa biologia.
No contexto das redes sociais, a reactividade estimula a produção da dopamina, neurotransmissor que nos dá um sentido de realização pessoal. No contexto das relações sociais, a relacionalidade estimula a produção de ocitocina, uma hormona ligada à empatia, à união social profunda entre as pessoas, dando-nos um sentido de família. Muitos não acreditam que as redes sociais possam destruir o sentido de sermos uma só família humana, mas é uma questão de interpretação do que é evoluir.
Começamos, hoje, a perceber que a comunicação natural tem um valor mais evolutivo que a selecção natural de Darwin, sendo a capacidade de sermos sociais que distinguiu a espécie humana das outras. A sobrevivência dos mais aptos a comunicar implica que os mais amigáveis (não os mais fortes) são os que sobrevivem. Pois, os mais amigáveis comunicam melhor. Por isso, a inversão psicossomática que as redes sociais induzem, não poderá estar a minar a sobrevivência e contínua evolução da espécie humana?
Para quem se tornou dependente da dopamina que as reacções nas redes sociais estimula, será difícil aceitar e compreender que esta questão pode ter alguma razão de ser. Mas, os dramas humanos que assistimos nos países mais pobres, associados à proliferação das redes sociais, são uma demonstração de como o nosso desenvolvimento humano está em risco.
Estamos todos em vias de desenvolvimento, e por mais tecnologia que desenvolvamos, nenhuma parece ser tão aguçada na evolução que gera, como a relacionalidade vivida fora da vida digital. Essa constrói a família humana que a nossa espécie é chamada a ser.