Opinião
01 junho 2021

Sonhar juntos

Tempo de leitura: 3 min
Todos os homens e mulheres, em particular os discípulos missionários de Jesus, «somos chamados a sonhar juntos, como companheiros da mesma viagem».
Bernardino Frutuoso
Director
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(Foto: Lusa/Brais Lorenzo)

A covid-19 transformou o nosso modo de viver, alterando, por exemplo, a maneira como comunicamos, trabalhamos ou nos relacionamos. Sabemos que esta metacrise e os seus efeitos se vão fazer sentir durante muito tempo e já são perceptíveis no âmbito social, económico, político, afectando, sobretudo, as pessoas mais pobres e vulneráveis do planeta – nomeadamente em África (ver páginas 32-35).

O sonho partilhado por muitos era que estes tempos atípicos, incertos e complexos fossem uma oportunidade para reflectir sobre a nossa forma de ser Humanidade e nos ajudassem a enveredar por caminhos novos de fraternidade e comunhão, superando a lógica do individualismo, do nacionalismo e dos próprios interesses. O sonho de que, superando juntos esta crise, pudéssemos construir um mundo mais fraterno, digno, sustentável, pacífico e justo, na linha do que propõe a encíclica Fratelli Tutti.

A realidade, infelizmente, parece indicar que esse ideal de um mundo melhor e mais digno que tanto anelamos é ainda uma utopia. Nestes dias foram mediatizadas histórias dolorosas e imagens assombrosas dos migrantes que chegavam a Ceuta. Milhares de pessoas tentavam ingressar no enclave espanhol no Mediterrâneo provenientes de Marrocos. Mais uma vez, as pessoas frágeis e marginalizadas – aquelas a quem o escritor uruguaio Eduardo Galeano (1940-2015) apelidou de “nadies” (“ninguéns”) – foram instrumentalizadas e exploradas para fins políticos. Vimos como foram acantonados pelas autoridades, mas também assistimos a gestos de humanidade de polícias e civis, como aquele de Luna Reyes, voluntária da Cruz Vermelha, que com um abraço consola um migrante senegalês desesperado, em lágrimas (ver páginas 6-7). Um símbolo de empatia, solidariedade e esperança.

Este acontecimento trágico apresenta-nos um retrato da crise migratória, mas lembra-nos, igualmente, o grande desafio humanitário, diplomático, político, geoestratégico e ético que temos de enfrentar como sociedade. Na questão migratória, a Europa não pode promover uma abordagem securitária, atribuindo milhões de euros a governos sem escrúpulos para que eles regulem os fluxos migratórios, mantendo-os longe das nossas fronteiras. É fundamental agir de forma holística, na linha do Pacto Global das Migrações (Dezembro de 2018), fomentando a cooperação para o desenvolvimento sustentável com os países de origem e melhorando os processos de acolhimento e integração dos migrantes.

Francisco alerta na sua mensagem para o 107.º Dia Mundial do Migrante e do Refugiadoque se vai assinalar no próximo dia 26 de Setembro para o risco de nacionalismos «agressivos» e de sociedades mais fechadas na era pós-pandemia. Por isso, pede que caminhemos juntos, «rumo a um nós cada vez maior, a recompor a família humana, a fim de construirmos em conjunto o nosso futuro de justiça e paz, tendo o cuidado de ninguém ficar excluído». Todos os homens e mulheres, em particular os discípulos missionários de Jesus, «somos chamados a sonhar juntos, como companheiros da mesma viagem, como filhos e filhas desta mesma Terra que é a nossa casa comum».

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Editorial
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