Há um par de linhas nos Actos dos Apóstolos que sempre me fascinaram pela sua honestidade desarmante, mesmo se contam um facto quase escandaloso: dois grandes missionários da primeira hora, Pedro e Paulo, que se contrariam um ao outro abertamente e em público (Act 2,11-16). Só dois santos podiam discordar tanto e continuar amigos!
Pedro, sempre muito fiel às suas raízes religiosas do judaísmo, nunca mais tinha duvidado de seguir a Cristo sem condições. Sobretudo depois daquela dupla experiência que o tinha marcado para sempre: primeiro, aquele olhar de Jesus que se cruzou com o seu comunicando dor e perdão, logo depois que Pedro o tinha renegado (Lc 22,60-62); segundo, aquele caloroso e sorridente Shalom! (Paz!), que escutou da boca de Jesus quando se encontraram no dia da sua ressurreição. Desde aqueles dias, a vida de Pedro pertencia a Jesus, para sempre.
Agora, está em Antioquia, na mesma comunidade com Paulo e Barnabé, e a situação é dramática: uma boa parte dos irmãos e irmãs daquela pequena igreja eram discípulos de Jesus, mas vindos directamente do paganismo, não tinham nada que ver com religião judaica, que ele sentia como indispensável! E Pedro recusou comer (a eucaristia!) com eles.
Paulo acusou-o diante de todos: «Pregas o evangelho de Jesus, mas caminhas na direcção contrária!» Para Paulo, ali se jogava tudo: se as práticas religiosas dos Judeus eram necessárias também para os pagãos que entravam no caminho de Jesus, então a graça, o Espírito que recebemos da morte e ressurreição de Jesus não eram suficientes para nos conduzir a Deus. E os discípulos de Jesus iam ficar reduzidos para sempre a mais uma pequena seita dentro da religião judaica.
A visão de Paulo era outra e o próprio Pedro a ia aceitar publicamente na assembleia de Jerusalém (Act 15, 11): «É pela graça do Senhor Jesus que nós [Judeus] cremos ser salvos, da mesma forma que eles [pagãos].» Dito simplesmente, Jesus aceita percursos diferentes para que as pessoas possam chegar até Ele. E Ele mesmo não se identifica com nenhum deles.
Para nós, missionários, esta opção que Paulo defendeu com unhas e dentes, que é afinal a posição de Jesus, abre as portas da comunidade cristã a uma imensa variedade de experiências e de caminhos que as pessoas percorrem para chegar à fé em Cristo. E o mais bonito é que a Igreja vai sendo enriquecida e transformada, porque cada pessoa ou grupo humano que entra a enriquece com o mais valioso do caminho que foi fazendo.
É a isso mesmo que se referia também o Concílio Vaticano II (Ad Gentes, 22) ao dizer que «as Igrejas jovens recebem [...] dos costumes e das tradições dos seus povos [...] tudo aquilo que pode contribuir para ilustrar a graça do Salvador, e ordenar, como convém, a vida cristã».
Assim, quanto mais avançar o anúncio do Evangelho no mundo, mais vamos descobrindo novas maneiras de viver a nossa fé. A flexibilidade de Cristo e do Espírito Santo não têm limites e alarga o nosso coração e a nossa mente para nos sabermos acolher uns aos outros como Cristo nos acolheu (Rom 15,7). O Papa Francisco gosta de dizer que a verdadeira união na Igreja é sempre o fruto de uma pluralidade reconciliada.
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