Opinião
13 julho 2021

Caim e Abel

Tempo de leitura: 4 min
O conflito entre agricultores e pastores cresce.
P. José Vieira
Missionário Comboniano
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(© 123RF)

A agricultura e o pastoreio são dois modos de vida que surgiram há uns dez mil anos com a revolução agrícola. A competição pelos recursos tem oposto pastores e agricultores ao longo dos tempos. A Bíblia representa esta tensão primordial por meio de um episódio entre Caim e Abel, os filhos de Eva e Adão. Conta o Livro do Génesis no capítulo quarto que Abel (o pastor) e Caim (o agricultor) apresentaram ao Senhor os respectivos dons: primícias do rebanho e respectivas gorduras e uma oferta dos frutos da terra. O Senhor gostou mais da oferta de Abel, e Caim, zangado, matou o irmão.

A narrativa do homicídio de Abel é testemunho da violência latente entre as comunidades que se dedicam à agricultura e à pastorícia, embora nas minhas observações tanto na Etiópia como no Sudão do Sul sejam os pastores os mais violentos.

Esta tensão tem aumentado na última década sobretudo na zona semiárida do Sahel, devido aos conflitos agro-pastoris e aos muçulmanos radicais. O deserto avança cerca de 3600 quilómetros quadrados por ano devido ao aquecimento e à diminuição das chuvas e a competição pela terra e pela água é feroz. A violência nas zonas rurais do Mali, Níger, Burquina Faso, Nigéria e Camarões fez no ano passado mais de dez mil mortes.

A União Africana estima que no continente um quarto da população – cerca de 268 milhões de pessoas – se dedique à criação de gado usando cerca de 43 por cento da terra. Muitos são povos nómadas transnacionais que deslocam manadas enormes à procura de pastagens.

O conflito no Darfur é exemplar. Pastores da etnia árabe baggara – com mais de três milhões de pessoas que vivem nos Camarões, Nigéria, Chade, Sudão, Níger, República Centro-Africana e Sudão do Sul – disputam aos agricultores negros fures, masalites e zaghanas locais o controlo da água e das terras férteis desde 2003. A ONU calcula que esse conflito, que foi politizado pelo governo de El Bashir, já matou cerca de 300 mil pessoas e deslocou 2,7 milhões.

O cenário repete-se na Nigéria e nos países vizinhos entre os pastores fulanis – cerca de 20 milhões de nómadas que se espalham pelos países da África Central e Ocidental – e as comunidades agrícolas. Em Março, cerca de 300 mil pessoas foram forçadas a abandonar o vale de Benue, no Centro da Nigéria, devido aos ataques.

O acentuar do conflito entre pastores e agricultores está ligado à disponibilidade de armas ligeiras, ao aumento demográfico, à degradação ambiental. Embora os pastores sejam vistos como os vilões, a agricultura industrial e o arrendamento ou venda de grandes extensões a multinacionais ou a governos estrangeiros interfere com áreas tradicionais de pastoreio.

A competição pelos recursos e o conflito têm de dar lugar à cooperação no uso dos bens naturais cada vez menos abundantes para pacificar as relações entre as comunidades que vivem da terra e apoiar modos de vida e oportunidades económicas para lavradores e criadores de gado. As autoridades tradicionais têm um papel importante na mediação.

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