Ouço dizer que «a fé cristã é um caminho pessoal». Mas não podemos dizer também que a fé é um caminho em grupo?
Os dias em que caminhei, a pé, para Fátima, com um grupo de jovens fizeram-me pensar nisso. Ali, o grupo era mesmo importante. Não é que fôssemos todos juntos, ao mesmo ritmo, como a marcar passo. Mas cada um ajudava os outros, e precisava de ser ajudado. Alguém que no dia anterior tinha puxado pelo grupo, caminhando à frente e encorajando quem tinha as pernas mais cansadas, agora deixava que outros fossem à frente, e ele recebia força, a passo com outros. Houve mesmo uma descida acentuada em que um de nós, de cansado que estava, caminhava depressa de mais, e ia cair se não fôssemos outros dois a agarrá-lo, um de cada lado. Cada um de nós caminhava com as suas pernas, mas, sem o grupo, teria sido muito mais difícil.
O caminho da fé faz-se dessa maneira, uma viagem pessoal, mas sempre caminhando junto com outros irmãos e irmãs.
A Liturgia das Horas, oração oficial da comunidade cristã que os padres e os diáconos prometem rezar todos os dias, é um bom exemplo deste caminho pessoal feito em união com os outros. Esta oração reza-se pelo menos duas vezes por dia: pela manhã a oração de louvor (laudes); pela tarde, a oração de agradecimento (vésperas). Há, depois, outros momentos que também têm a sua importância, especialmente a oração da noite, antes de dormir (completas).
O conteúdo principal desta «oração das horas» são salmos, leituras da Bíblia e orações de pedido ou de louvor. É importante notar que são orações já escritas, que todos rezamos àquela hora. Acontece-me estar muito contente por ter encontrado de novo um amigo que não via há muito, e a oração desse dia apresenta-me um salmo para rezar, em que me faço voz de uma pessoa angustiada por ter perdido uma pessoa amada; mas também acontece o contrário, eu com vontade de me queixar a Deus pelo que me correu mal e me faz sofrer, e a liturgia das horas a fazer-me rezar um salmo de alegria e agradecimento a Deus pelas maravilhas da criação.
Nessa oração, somos convidados a «caminhar ao passo dos outros» a apresentar a Deus a oração de quem não tem voz para o fazer, mesmo se a situação que vive é tão diferente da minha. É, afinal, uma oração solidária. Todos juntos, fazemo-nos voz orante uns dos outros. Assim Deus nos vai ensinando a «chorar com quem chora e dançar com quem dança». É mesmo como na peregrinação a pé: a mim apetece-me correr, mas caminho com alegria ao passo de quem vai cansado, e nos meus momentos de cansaço, é a coragem dos outros que dá força às minhas pernas.
O caminho de fé e de oração dos cristãos é assim, uma peregrinação em que vamos aprendendo a caminhar ao passo uns dos outros, sem heróis isolados à frente, e sem deixar ninguém isolado, lá para trás.
Curioso notar que, muito antes de lhes colarem a etiqueta de «cristãos» (porque falavam sempre de um certo Cristo!), um dos primeiros nomes que os discípulos de Jesus deram a si mesmos era “os do caminho”, os «que caminham juntos». E hoje o Papa Francisco diz que precisamos de descobrir de novo que somos “Sínodo” (syn-odos = caminho-com).
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