Já pensaram nos recursos usados para procurar vida noutros planetas, nem que seja o fóssil de um micróbio, e o quanto a nossa acção neste planeta que habitamos pode levar à extinção de algumas espécies? Por que razão fazer tanto esforço para encontrar vida noutros planetas, quando damos tão pouca atenção à vida que desabrocha ao nosso redor? Precisamos de prestar atenção ao que prestamos atenção. E talvez a nossa atenção para com a vida no nosso planeta esteja relacionada com o grau de envolvimento que temos com o mundo natural.
O meu sogro percebe mais de carpintaria do que de electrónica, mas, com a dose certa de paciência, arranjou um aspirador e uma rebarbadora porque tentou perceber a razão do problema. Ele foi, para mim, testemunho de que nem tudo o que deixa de funcionar é descartável. Por analogia, nos primórdios da humanidade havia uma relação equilibrada com o mundo natural e, em muitas culturas indígenas, o respeito pelas plantas e pelos animais passava por um maior conhecimento do seu modo de viver e de como esse se liga ao nosso estilo de vida.
De um lado existem movimentos espaciais que se esforçam por encontrar vida fora do planeta Terra. E de outro lado, existem movimentos ambientais que se esforçam por nos reencontrarmos com a vida dentro do nosso planeta. O escritor Frank White propõe que unamos os movimentos espaciais e ambiente através do Efeito Visão Global (Overview Effect).
O Efeito Visão Global adveio de uma alteração cognitiva na consciência dos astronautas ao observarem a Terra a partir do espaço ou da Lua. A consciência da fragilidade do nosso planeta, suspensa no vazio do espaço, a proteger uma incomensurável biodiversidade única no nosso sistema solar e, tanto quanto sabemos, na parte do universo mais próxima de nós. A atmosfera que nos protege possui a grossura de uma folha de papel quando comparada com o tamanho do nosso planeta. E visto do espaço, as fronteiras entre países não se notam, ou parecem mesmo desaparecer. Os conflitos parecem irrelevantes diante da visão de uma casa comum onde habita a família da criação. Do espaço é impossível não sentir o desejo que uma unidade diferente e mais profunda com este “pálido ponto azul” revelado pela sonda Voyager 1 a 14 de fevereiro de 1990 numa foto tirada a seis mil milhões de quilómetros de distância da Terra. O desejo suscitado pelo efeito visão global é o de aprofundar a relacionalidade das coisas da Terra com a unicidade experimentada quando a contemplamos a partir do espaço. Mas esse desejo está afectado por uma crise.
A crise ambiental tem muitas origens, mas uma delas está no corte entre fé e ciência. Enquanto a ciência ajuda-nos a descobrir e compreender o ambiente exterior onde estamos imersos, a fé ajuda-nos a descobrir e compreender o ambiente interior e profundo dentro da nossa mente-coração-espírito. Da nossa mente porque através dela tomamos consciência de quem somos, daquilo que acontece à nossa volta e como afecta interiormente. Do nosso coração que palpita ao sabor da emoção que o sentido e significado das coisas desperta dentro de nós. Do nosso espírito que nos faz experimentar dimensões da realidade que estão para além do tempo e do espaço, perceptíveis apenas a partir do nosso interior.Uma aproximação entre o conhecimento científico e o saber proveniente da espiritualidade faz-se através da filosofia e da criatividade.
Não sou filósofo, mas recordo-me de que o significado de “filosofia” é “amor à sabedoria”. A filosofia é uma linguagem através da qual procuramos tirar o nosso pensamento das coisas banais, de modo a abri-lo às realidades profundas. Podemos ter a ideia do filósofo como a de alguém que diz frases, aparentemente, muito bonitas, mas cujo significado parece desligado da vida concreta onde tudo se joga. Mas se acolhêssemos a ideia de pensar como um acto de amor que só se realiza quando é partilhado, poderíamos experimentar como partilhar um pensamento com o outro pode ser uma demonstração de amor por ele. Mas um pensamento como acto de amor só pode vir de uma vida profunda.
A era do entretenimento em que vivemos desvia a nossa atenção dos pensamentos sobre como podemo-nos envolver mais com o mundo natural e desvia os nossos comportamentos na direcção de uma vida superficial. É aqui que a criatividade proveniente do saber espiritual pode trabalhar dentro de nós a reflexão que ajuda a tomar a decisão sobre aquilo que deve mudar fora de nós.
A criatividade através de uma palavra escrita, uma imagem pintada, uma melodia tocada ou cantada, são o bálsamo espiritual esquecido que, se fosse mais desenvolvido, regeneraria a cultura da unidade entre os ambientes interior e exterior para entender a unicidade possível entre nós e toda a vida na Terra.