Opinião
29 setembro 2021

Acreditar é… um tesouro de coisas novas e antigas

Tempo de leitura: 4 min
Viver a vida cristã com um tesouro feito de «coisas novas e coisas antigas» é, afinal, ir crescendo sempre com novas experiências e descobertas pessoais que nunca param de nos surpreender.
P. Fernando Domingues
Missionário Comboniano
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(© 123RF)

 

Sempre gostei muito de uma frase um pouco misteriosa em que Jesus diz que «o escriba cristão é como alguém que tira do seu tesouro coisas novas e coisas antigas» (cf. Mt 13,52).

As «coisas novas» são mais fáceis de identificar. São as minhas descobertas pessoais. É aquele momento de luz em que uma certa palavra de Jesus parece que iluminou tudo na minha vida e me indicou a maneira de viver em que eu me ia sentir feliz; é aquela experiência de amizade superintensa que me fez acreditar em Deus e na humanidade inteira; é aquele momento de sofrimento profundo em que Cristo me deu a força de perdoar e recomeçar o caminho com alguém; é aquele passeio a pé com alguém de quem eu gostava muito, e que a um certo momento me disse «se o que tu queres mesmo é ser padre, a mim dói-me, mas vou ajudar-te com todo o coração porque o que eu mais desejo é que tu sejas feliz», é a pessoa que me diz «a palavra de Jesus que me deste há sete anos quando nos vimos a última vez, ainda hoje me guia e me dá força».

São «coisas» do tesouro pessoal que vamos ajuntando e que dão alegria e força à nossa vida.

E as «coisas» antigas? Essas também vão entrando no «tesouro», talvez mais lentamente, mas são igualmente preciosas. Gosto de pensar nelas como «uma voz que vem de longe», palavras que atravessam os séculos e trazem luz e força ao que eu vou vivendo agora.

Algumas são mais fáceis de lembrar. «O Senhor Deus é meu pastor, nada me faltará», vem da experiência de fé dos Hebreus de há mais de dois mil anos (Salmo 22); «Eu sou a videira, vós os ramos. Quem permanece em Mim... dá muito fruto» (Jo 15,5); «Jesus passou, olhou, chamou, e ele ergueu-se e seguiu Jesus», diz Mateus contando o seu primeiro encontro com Jesus (Mt 9,9).

Tenho várias outras «coisas antigas» como estas. Mas há também algumas «antiguidades» no tesouro que vêm dos vinte séculos de gente que acreditou em Jesus e tentou viver o seu Evangelho no seu próprio tempo.

Só alguns exemplos. «Os cristãos costumam reunir-se no Dia do Sol, alguém lê para todos as memórias dos Apóstolos, depois quem preside dá graças com pão e vinho que depois se reparte por todos» (Flávio Justino de Roma, que morreu cerca do ano 165 da nossa era). Outra dessas «vozes de longe» é do século xii, na França: «O cristão descobre a presença de Cristo no outro, e a partir daí, viver a vida cristã é como um diálogo entre o Cristo que está em mim e o Cristo que está no outro» (São Bernardo de Claraval). E muito mais actual: «De nós cristãos, as pessoas esperam mais testemunhas do que mestres» (Paulo VI).

Viver a vida cristã com um tesouro feito de «coisas novas e coisas antigas» é, afinal, ir crescendo sempre com novas experiências e descobertas pessoais que nunca param de nos surpreender. E, ao mesmo tempo, é também continuar a ouvir as vozes que nos chegam de longe, desses séculos e séculos em que homens e mulheres como nós foram, também eles e elas, enriquecendo o seu «tesouro». E algumas coisas que eram «novas» para eles, são agora as «coisas antigas» para nós, mas sempre belas e cheias de inspiração, conforme vão chegando à nossa vida. 

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