Algumas economias africanas têm beneficiado com as novas dietas divulgadas pelos influenciadores das redes sociais como o consumo de abacate – que já tratei nesta coluna – e a descoberta do tef, um cereal resistente, miúdo e muito nutritivo oriundo da Etiópia que é a base da injera, o pão nacional etíope.
Agora é o leite de camela que ganha o estatuto de superalimento depois de os nutricionistas terem vindo a afirmar os seus benefícios para a saúde. Encontra-se à venda fresco, congelado, em pó, em iogurte, queijo, gelados e até com vodca. Afigura-se como mais uma oportunidade económica para a África, onde vivem mais de 80 por cento da população global dos dromedários. A lista dos maiores produtores mundiais é encabeçada pelo Quénia, seguido da Somália, Mali, Etiópia e Arábia Saudita. Em 2020, o mercado global do leite de camela gerou mais de 2000 milhões de euros. A grande procura e oferta limitada do produto faz crescer o negócio em oito por cento ao ano.
O leite de camela é um recurso alimentar secular para as comunidades nómadas dos territórios áridos no Norte e Leste de África [a foto mostra um pastor do Iémen que vende garrafas de leite de camela numa estrada de Hodeidah, em Janeiro passado] e no Médio Oriente; é uma fonte nutritiva em tempos de seca, porque o animal continua a dar leite mesmo não bebendo água todos os dias.
A camela ganha à vaca no confronto directo porque o seu leite tem menos gorduras mono e polinsaturadas, é mais tolerado por ter pouca lactose, possui propriedades antimicrobianas e mais vitaminas e minerais (é dez vezes mais rico em ferro, zinco e vitamina C), tem proteínas de insulina e inibidoras das hepatites B e C.
Pela negativa, sobressai o preço – há muito menos camelas que vacas, uma vaca produz 24 litros por dia, enquanto a camela só dá seis, precisa de 13 meses de gestação e leva de 12 a 18 meses a amamentar a cria. Por outro lado, não vivem em explorações intensivas e não se adaptam bem à ordenha mecânica. Depois há o problema do armazenamento e transporte: o leite de camela não aguenta o processo de pasteurização – as proteínas reagem mal ao aquecimento, o que limita o transporte e tempo de prateleira do produto fresco. O problema está a ser resolvido com a introdução da rede de frio: distribuição de frigoríficos solares por parte de algumas ONG e introdução de máquinas de venda refrigeradas no Quénia, onde um litro de leite fresco custa 100 xelins, uns 78 cêntimos.
Uma curiosidade: em árabe as palavras jámal (camelo), jamal (bonito, lindo) e o feminino jamila – que também são nomes próprios – partilham a raiz jml. Quando vivia na Etiópia, todos os anos ia renovar os meus papéis de trabalho como professor numa zona onde havia muitos camelos com mulheres a vender o leite nas ruas. Ao ver os lábios feios, o olhar altivo e o andar desajeitado do animal, perguntava a mim mesmo onde estava a sua beleza. Um dia recebi a resposta: a beleza do camelo é uma beleza útil, porque tudo se aproveita – o leite, a bosta (para cozinhar), o pêlo (para tecidos), a carne, a pele (para tendas) e os ossos (para fabricar instrumentos de trabalho). Lindo!
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