Os dois discípulos de Emaús (Lucas, 24) são conhecidos como aqueles que partiram de Jerusalém desiludidos e tristes com a morte de Jesus, que os tinha entusiasmado por algum tempo com o seu novo projecto de vida, e que viveram momentos de misteriosa esperança enquanto caminhavam e conversavam com Ele, sem saberem que ressuscitara nessa mesma manhã. Reconheceram-no só à noitinha quando Ele se sentou com eles à mesa e partiu o pão, como fizera na última ceia, alguns dias antes. Diz-nos o texto que logo decidiram regressar a Jerusalém. Mas é bom notar que o verbo usado por São Lucas – que escrevia em grego – não diz bem «regressar» no sentido de «voltar para trás», o que indica é que fizeram uma «grande mudança de rumo»: já não estão a ir embora, fugindo de uma experiência triste. Eles agora avançam ao encontro dos amigos que ficaram em Jerusalém, cheios de alegria com a novidade que têm para contar.
A experiência daqueles dois discípulos é a que fazemos muitos de nós, missionários, ao regressarmos ao nosso país para refazer as forças ou para assumir um serviço missionário aqui, por algum tempo. Não voltamos atrás; continuamos o caminho da nossa vida tomando um novo rumo para enriquecermos os irmãos com as descobertas que fomos fazendo. De facto, o Jesus que caminha connosco, muitas vezes incógnito nos momentos de escuridão e incerteza, e que acabamos por descobrir sentado à mesa connosco quanto «repartimos o pão» com as novas comunidades que vamos iniciando, esse Jesus tem um rosto cheio de novidade. É o mesmo que já conhecíamos antes da partida e, ao mesmo tempo tem toda uma série de traços novos que a missão nos ensinou a descobrir no seu rosto. Ele será agora o «Irmão mais velho» que reúne a família toda, o «Primogénito» que abre o túnel da vida a muitos irmãos e irmãs que vêm a seguir, o «Mestre» que inicia os «mais novos» a uma nova maneira de viver, o «Deus-connosco» que anima os nossos dias com o seu Espírito e transforma as nossas eucaristias na festa que nos faz dançar de alegria.
O missionário que regressa vem com um alforge cheio de tesouros para partilhar, e o melhor de todos é esse Jesus que encontrou a caminho de terras longínquas, e que viu sentado à sua mesa em outras eucaristias, falando outras línguas entre rostos de outras cores. Mas nesse alforge vem também o rosto de muitos novos irmãos e irmãs que deixaram nos nossos corações traços novos de Jesus e da sua comunidade, como uma certa Maria, doente que baptizei num domingo à noite: rezou a Jesus agradecendo-Lhe porque, depois de uma vida tão atribulada, tinha finalmente «chegado a casa». Essa casa era a pequena comunidade reunida ali à volta da sua cama, na noite do seu baptismo, e era também a casa eterna onde Jesus a ia receber poucos dias depois: eu nunca tinha entendido tão bem o que queria dizer que «Deus nos prepara uma casa».
Os discípulos de Emaús, chegando a Jerusalém, tinham muito que contar! O mesmo se diga de Barnabé e Paulo, uns anos mais tarde, quando regressam à comunidade de Antioquia, que os tinha enviado (Actos 13,3; 14,27-28). A missão é ir e voltar, e cada vez que se vai e vem, o Senhor faz-nos descobrir novos traços do seu rosto e do rosto da sua Igreja viva.
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