No início de cada ano, todos reflectimos sobre o que desejamos para a nossa vida. Ao ler o ecoteólogo Thomas Berry (1914-2009), sacerdote passionista, fiquei a pensar no capítulo do seu livro The Great Work intitulado «Reinventar o humano», no qual diz que «a missão histórica dos nossos tempos é reinventar o humano – ao nível da espécie, com reflexão crítica, dentro da comunidade de sistemas vivos, num contexto de desenvolvimento no tempo através da história e da experiência dos sonhos partilhados.» Ou seja, reinventar o humano na esperança.
Quando as pessoas pensam no ano que passou, muitas podem ficar presas aos sonhos partilhados não realizados, ou apreensivas por episódios de sofrimento que fizeram parte da sua história em 2021, entrando em 2022 com algum desânimo. Mas a capacidade de o ser humano se reinventar é sinal do ser de esperança que caracteriza cada um de nós, independentemente da nossa condição. Ao nível da espécie, apesar de grandes empresários como Elon Musk quererem melhorar o acesso às nossas capacidades cognitivas com tecnologia ligada ao cérebro, isso pode ser atingido com um conhecimento cada vez maior do nosso corpo abraçando as nossas limitações. Não tanto pelo autoconhecimento de um voltar-se somente para si mesmo quanto por meio do conhecimento dos nossos limites para aprendermos como os podemos transformar em possibilidades.
Quando o artista Phil Hansen estava a estudar numa escola de arte, desenvolveu tremores na mão que o impediam de desenhar uma linha a direito. Depois de consultar um neurologista percebeu que padecia de danos irreversíveis nos nervos que implicariam ter estes tremores para o resto da sua vida. Em vez de deixar de sonhar com a sua carreira artística experimentou, como afirma, «abraçar o tremor», levando-o a descobrir a arte criativa de desenhar usando o tremor das mãos. Este exemplo mostra como a reinvenção da nossa espécie continua a passar pela criatividade quando abraçamos os nossos limites.
Um segundo aspecto da reinvenção do humano refere-se à reflexão crítica relacionada com o desenvolvimento da capacidade de identificar os filões de desinformação que permeiam a cultura digital dos nossos dias. Em Dezembro do ano passado, uma mulher muçulmana na França morre de covid apesar de (alegadamente) estar vacinada. A verdade é que tinha um certificado digital de vacinação falso porque decidiu não vacinar-se depois de ter lido na internet sobre a presença de «produtos suínos» na vacina. A desinformação é uma pandemia silenciosa que afecta a vida humana, mas podemo-nos vacinar se nos reinventarmos com o pensamento crítico.
Por fim, uma das intelecções de Thomas Berry a aprofundar nos próximos anos penso que seja a «necessidade da arte da íntima comunhão com [...] os vários componentes do mundo natural». Se as alterações climáticas são uma realidade inescapável ligada aos nossos comportamentos, só uma vida humana reinventada pela comunhão criativa com a Natureza pode lançar pistas para o futuro.
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