Estamos no primeiro mês de 2022 e o entusiasmo para cumprir com as resoluções do ano é ainda grande. No entanto, diversos estudos na área da psicologia demonstram que muitas destas resoluções acabam por não se cumprir ou mudar os nossos comportamentos como aspirávamos. Porém, o curioso é perceber como as lições oferecidas pela ciência já existem há muito tempo na espiritualidade.
A psicóloga Ayelet Fishbach que escreveu um recente livro sobre a ciência da motivação (Get it Done: Surprising Lessons from the Science of Motivation) diz que o processo de levar as motivações a “bom porto” depende muito do contexto que vivemos e das circunstâncias. Assim, o apoio proveniente daqueles que estão à nossa volta, e o modo como enquadramos o nosso progresso, são dois aspectos fundamentais da espiritualidade: relacionalidade e interioridade.
Um dos primeiros conselhos, apesar de contra-intuitivo, é o que dar conselhos aos outros que lidam com as mesmas dificuldades que nós. É contra-intuitivo porque parece mal estar a aconselhar o outro de algo que não domino, ou sou exemplo, mas um estudo que Fishbach realizou com outros dois investigadores, Lauren Eskreis-Winkler e Angela Duckworth (autora de Grit - o Poder da Paixão e da Preserverança) observou que pessoas desempregadas que eram convidadas a partilhar conselhos a outros sobre como encontrar emprego, acabavam por estar mais motivadas para o fazer. O que me faz lembrar aquela máxima presente em diversas tradições religiosas que, habitualmente, chamamos de Regra de Ouro: faz aos outros os que gostarias de que fizessem a ti.
Uma outra recomendação é ser específico no número de propósitos, ou ainda ser específico dentro do propósito definido. Por exemplo, “ler 10 livros em 2022” é mais específico do que “ler mais em 2022”. Esta estratégia é um modo de facilitar a avaliação do nosso progresso, e faz-me lembrar como desenvolver a confiança que temos na oração depende do quanto somos concretos. «Pedi, e ser-vos-á dado; procurai, e encontrareis; batei, e hão-de abrir-vos. Pois, quem pede, recebe; e quem procura, encontra; e ao que bate, hão-de abrir.» (Mt 7, 7-8).
No caminho para realizar um propósito existem três fases distintas. Na primeira, a motivação é elevada porque acabámos de começar o caminho e estamos entusiasmados para o concretizar. Depois, na fase intermédia, a motivação vai-se abaixo. E quando nos damos conta de estarmos a chegar ao fim do caminho, a motivação volta a estar em alta. Portanto, o grande desafio está na fase intermédia que deve ser pensada de maneira diferente. O segredo parece ser a criação de um ritmo onde escolhemos um dia, por exemplo, o primeiro de cada mês, para “recomeçar” o nosso propósito. Desse modo, cultivamos mais frequentemente a emoção sentida sempre em cada (re)começo. Não é este um segredo vivido no sacramento da confissão? Recomeçar. Recomeçar sempre, vendo os outros, as coisas e nós próprios com novos olhos, como se fizéssemos um pacto de misericórdia?
Um outro desafio seria perceber quando nos devemos focar naquilo que já atingimos e quando devemos estar concentrados naquilo que falta para atingir o nosso propósito. Existem restaurantes que nos oferecem um carimbo por cada refeição e ao fim de 10 recebemos uma grátis. Lembro-me de ter feito esta experiência e da sensação de que faltavam cada vez menos refeições para chegar à “recompensa”. Logo, maior motivação tínhamos para continuar a frequentar aquele restaurante (claro que a comida era boa...). A conclusão a que os psicólogos chegaram na ciência da motivação foi a de que fazer uma retrospectiva daquilo que fizemos reafirma o compromisso daquilo que nos propusemos fazer. Na espiritualidade é a razão pela qual a gratidão consegue fazer milagres e ajuda-nos a superar tantas dificuldades.
Manter em alta a motivação pode gerar algum desconforto. É como quando queremos aprender algo de novo. Se não nos empenharmos a ir um pouco além das nossas capacidades, acabamos por aprender muito pouco e isso é fonte de desmotivação. O desconforto sentido pelo esforço que fazemos para nos manter motivados é essencial nesse processo. É a génese da palavra sacrifício – fazer de algo, algo sagrado.
Por fim, se a minha filha me disser que está a dar uma missa-jovem no YouTube é uma coisa, mas se ela me convidar para ir a uma missa-jovem é outra completamente diferente. Não há melhor forma de nos motivarmos do que deixarmos que os outros se envolvam, na medida do possível, nos nossos propósitos. Querer-se bem reciprocamente faz-nos experimentar que não estamos sozinhos no caminho e isso motiva.