Opinião
25 fevereiro 2022

Teorema da vitalidade da vida

Tempo de leitura: 3 min
Jesus ganhava pouco com o Seu trabalho, mas era feliz e, seguramente, o seu sorriso iluminava a vida dos que estavam à Sua volta.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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(© 123RF)

 

Jesus era um técnico-engenheiro. O Papa Francisco, na Audiência Geral, no passado dia 12 de Janeiro recordava que a palavra tekton associada ao ofício de José, e que Jesus aprendeu, era muito geral dado que a madeira usava-se tanto para construir arados (engenharia mecânica), como móveis (engenharia do design) ou ainda casas (engenharia civil). Por isso, não é difícil pensar em Jesus como alguém cujo trabalho era muito prático (técnico), mas que exigia alguma compreensão dos mecanismos envolvidos (engenheiro). Contudo, no seu tempo, essa não era uma profissão muito respeitada e daí que os doutores da Lei se admirassem com a Sua sabedoria. Será que o trabalho oferece um caminho para a sabedoria?

O trabalho é essencial para sobreviver, mas quem centra a sua vida no trabalho, vive? Numa pequena Apologia do ócio, o escritor americano Robert Louis Stevenson (mais conhecido pelo seu livro A Ilha do Tesouro) diz que «o excesso de actividade [...] é sintoma de uma vitalidade deficiente; enquanto a capacidade para o ócio implica um apetite ecuménico e uma vigorosa identidade pessoal. [...] Uma classe de pessoas [...] que mal têm consciência de estarem vivas excepto em pleno exercício de alguma ocupação convencional [...] são desprovidas de curiosidade; não conseguem entregar-se a paixões momentâneas; são incapazes de desfrutar o exercício das suas faculdades pelo mero prazer de as exercer.» Palavras que suscitam uma pergunta pouco feita: és feliz a trabalhar?

Usualmente perguntamos a alguém se gosta daquilo que faz (paixão no trabalho), ou se se sente realizado com o que faz (realização profissional), mas como muitos consideram o trabalho como «um mal necessário», subjacente está a ausência de uma grande ligação entre trabalho e felicidade. Por outro lado, muitas pessoas irritam-se quando vêem alguém feliz a fazer muito pouco e a desfrutar da vida. Associam esse tipo de vida ao ócio, mas isso pode querer dizer que desconhecem o que significa essa palavra.

Em Só Avança Quem Descansa (Tenacitas, 2017), o P.e Vasco Pinto de Magalhães, SJ, esclarece que «ócio foi a palavra com que os antigos latinos traduziram o grego escolé, escola, tempo de liberdade, de escuta e interiorização, de aprendizagem!». Por isso, se o ócio é um tempo propício à aprendizagem, como não ajudar a sermos felizes?

Há quem recuse este sentido para o ócio porque afirma que o trabalho é um dever de quem pretende sustentar uma família. Verdade. Mas Stevenson dizia ainda na sua apologia que «não há dever tão subestimado como o dever de ser feliz. Ao sermos felizes semeamos no mundo benefícios anónimos, que permanecem desconhecidos para nós mesmos [...]».

Jesus ganhava pouco com o Seu trabalho, mas era feliz e, seguramente, o seu sorriso iluminava a vida dos que estavam à Sua volta. Este é o Teorema da Vitalidade da Vida, que em vez de semear indigestões com vista ao lucro, semeia a sabedoria da contemplação «ociosa» que nos torna trabalhadores felizes. 

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