«Ir às periferias» tornou-se uma palavra de ordem que o Papa Francisco não se cansa de repetir; é uma espécie de mandato missionário deste pontificado à Igreja no nosso tempo. Uma palavra que não se pode transformar em refrão, num chavão que passamos a repetir para estarmos alinhados com o dicionário de Bergoglio, sem tirarmos as devidas consequências para a nossa vida individual e de comunidade eclesial.
É o próprio papa quem nos adverte desta eventual deriva: «Para chegar às periferias humanas não significa correr pelo mundo sem direcção nem sentido» (EG, 46). As periferias são o contexto da missão cristã, onde Cristo nos espera e confia uma missão, nelas «há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mc 6, 37)» (EG, 49).
Nas periferias humanas «muitos buscam secretamente a Deus, movidos pela nostalgia do seu rosto» (EG, 14). As periferias não são só as geográficas ou étnicas, são também as culturais e religiosas, as sociais e políticas. Desde os seus inícios, a missão cristã procura as periferias que são fronteiras, para as ultrapassar e procurar um encontro, pois o Evangelho de Cristo contém um fermento, uma promessa de transformação, que vai para lá das fronteiras que a História e a cultura estabelecem entre as pessoas e os povos.
S. Paulo levou o Evangelho para lá da fronteira étnica e religiosa que separava o povo eleito dos outros povos. S. Pedro, o primeiro papa, acompanha Paulo nesta abertura aos povos, levando o Evangelho ao coração do Império. Mais tarde, são os papas que enviam missionários para as periferias do império e para os povos que emergem. No século XVI, Paulo III manda os missionários (Jesuítas, Dominicanos, Franciscanos) para as Américas e as terras do Extremo Oriente. Já no século XIX, Gregório XVI manda os “missionários apostólicos” e os novos institutos missionários para as costas e o centro da África; Pio IX manda Daniel Comboni e os Combonianos para o Sudão e a África Central.
Com o seu mandato missionário, Francisco está a revelar-se tradicionalista (enraizado numa grande tradição que vê os papas empenhados na missão cristã) e profético, isto é, com um olhar inovador que vê mais longe e discerne os desafios que esperam a missão cristã neste começo do século XXI. Está a mandar-nos (não este ou aquele, mas todos) para as periferias, numa mudança de época em que as velhas fronteiras desmoronam e novas nascem, sob a pressão das redes sociais e da globalização, erguendo novos muros e abatendo pontes anteriormente construídas.
Este mandato missionário é um convite a habitar as periferias como lugar de encontro, nos escombros de um mundo a desmoronar, de sonhos a desfazerem-se e de expectativas a renascerem. É um mandato que nos manda com as recomendações de Jesus aos primeiros enviados (não leveis duas túnicas, nem alforge nem dinheiro); e que se confia ao mistério da Sua Presença (sem Mim não podeis fazer nada!) e ao poder do serviço humilde, à eficácia da oração, do jejum e da caridade – as três obras a praticar nas periferias de cada tempo e lugar (e não só nesta Quaresma).
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