Opinião
29 março 2022

Educar para a distinção entre facto e ficção

Tempo de leitura: 4 min
Uma das formas de amadurecer na capacidade de distinguir facto de ficção é procurar chegar às origens da informação que recebemos.
Miguel Oliveira Panão
Professor universitário
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(© 123RF)

 

Consegues distinguir facto de ficção? Muitos pensam consegui-lo, mas todos estamos neste mundo permeado de informação e sujeitos a não conseguir. É o vírus silencioso da desinformação que gera uma pandemia há mais tempo que a covid-19 e para a qual não encontrámos ainda uma vacina. O desafio mais recente são as nossas crianças.

Num artigo da Scientific American, li que a educadora Amanda Gardner não esperava na sua carreira encontrar estudantes que negassem o Holocausto ou afirmassem que a covid é um embuste. O vírus da desinformação arrasta-se há quase duas décadas e o ensino parece preocupar-se pouco com isso.

A literacia dos media no campo educativo está ainda por explorar. Dado o acesso cada vez maior à informação, os métodos para estimular o pensamento crítico saudável estão por definir. No início da aprendizagem, tudo é branco e preto, mas na fase da adolescência a mente abre-se aos ideais e daí que um estudo de Setembro de 2021 no British Journal of Development Psychology tenha observado que é a partir dos 14 anos que a adesão às teorias da conspiração cresce, bem como a dificuldade em avaliar a credibilidade daquilo que se lê ou vê online.

Uma das formas de amadurecer na capacidade de distinguir facto de ficção é procurar chegar às origens da informação que recebemos. Recordo que ao ouvir no telejornal que 250 mil crianças haviam sido vítimas de abuso por membros da Igreja Católica da Nova Zelândia desde 1950, achei um exagero e fui à procura da origem daquele número. Descobri numa notícia de há dois anos publicada pelo The Guardian que esse era o número de crianças vítimas de abusos em organizações estatais, onde se incluíam orfanatos pertencentes à Igreja, mas nem especificam qual, sabendo que os católicos são apenas 10%.

A credibilidade dos factos é importante, mas também as razões para que determinadas notícias sejam apresentadas de uma certa maneira.

É bom desafiar os nossos pressupostos, mas há quem receie que o saudável pensamento crítico dê lugar ao doentio cepticismo. É compreensível porque no mundo a beleza está na harmonia de contrastes, há muita confusão e imperfeição, mas isso não importa. Se descobrirmos o valor da incerteza como espaço de possibilidades aberto ao amadurecimento pessoal, cresceremos na capacidade de distinguir facto de ficção. Mas será assim para todas as crianças do mundo?

Em países com dificuldades sanitárias, financeiras, etc., e um estilo de vida longe da matriz urbana, educar para a distinção entre factos e ficção parece não entrar ainda no seu horizonte. Poderá dever-se a não terem acesso aos fluxos de informação da tecnopolis, mas não é melhor prevenir do que remediar?

Sugerir aos jovens pensarem nestas coisas pode gerar apatia. Não importa se é facto ou ficção desde que estejam entretidos. Mas como diz Neil Postman, «só através de uma profunda e infalível consciência da estrutura e efeitos da informação, através da desmistificação dos media, poderá existir qualquer esperança de ganharmos algum controlo sobre [esses].» 

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