Em 1992, no livro “The Universe Story” do cosmólogo Brian Swimme e o ecoteólogo Thomas Berry, li pela primeira vez sobre a existência de um princípio que deu origem ao universo (cosmogénese) caracterizado por diferenciação, autopoiese e comunhão. A última característica parece-me ser uma chave de interpretação essencial e em linha com o modo de ser sinodal que estamos a aprofundar em Igreja e que poderia inspirar o agir sustentável.
A comunhão segundo Swimme e Berry é o modo como a cosmogénese se organiza, a origem de uma visão da existência profundamente relacional, sendo mesmo a sua essência. Se pensarmos na evolução da vida na Terra, apercebemo-nos de como se deu no sentido da diversidade, até mesmo na maneira das espécies se organizarem. Mas um passo além da diversidade é o sentido da comunidade gerada pela rede de relacionamentos entre centros auto-conscientes criativos, ou seja, nós.
Esta ideia de relacionalidade associada à comunhão na base da cosmogénese é anterior à própria pressão que a acção da selecção natural exerce sobre as comunidades em cada espécie e entre as espécies. E Swimme e Berry espressam esta base da comunhão de um modo poético — «Tanta da plumagem e cor e dança e música do mundo vem do nosso desejo de entrar em relações de verdadeira intimidade.» É assim que se pode universalizar o significado de comunhão: mútua íntima imanência.
Thomas Berry em “The Great Work” propõe a entrada na Era do Ecozóico, ou seja, um período em que os seres humanos seriam uma presença mutuamente benéfica em relação ao mundo natural. Mas, para isso, seria necessário compreender o universo como uma comunhão de sujeitos, em vez de uma colecção de objectos a explorar. Diz ele que «a intimidade com o planeta na sua maravilha e beleza, e o seu significado profundo é o que permite um relacionamento integral entre o ser humano e o planeta.» Um relacionamento como manifestação concreta da comunhão que está na base da cosmogénese.
A ecologia integral do papa Francisco pretende unir os gritos da Terra e dos pobres, porque ambos sofrem com a exploração de cada entidade do mundo natural como se fossem objectos. A vida que antigamente acontecia fora das quatro paredes, com o crescimento da vida urbana, acabou por artificializar-se. A maior parte de nós passa o seu tempo entre quatro paredes e raramente pensa se isso é, ou não, bom para nós. Contra mim falo que vejo o trabalho a criar essa exigência. Por isso, reconheço não ser fácil sair dessa rotina ou substituí-la por imagens do mundo natural que fluem pelos ecrãs, apesar do efeito benéfico que isso possui no restauro da nossa atenção. A acção não se faz pela visualização.
O agir humano precisa de uma base ética onde assentar. E a maior parte das visões éticas em que se baseiam os actos das pessoas no que diz respeito ao mundo natural centram-se em pólos. O pólo do ser humano (antropocentrismo), ou da vida física (biocentrismo), ou do planeta como um todo, como Gaia (ecocentrismo), ou procuram expandir a visão ética a todo o universo (cosmocentrismo), ou mesmo centram em Deus (teocentrismo). Ao longo dos anos tenho verificado não existir um pólo central de acção ética que seja comummente aceite por todos na diversidade de eco-filosofias. E foi nesse sentido que em 2008 propus colocarmos o centro na própria realidade da comunhão: um communiocentrismo. Focar o agir humano nos relacionamentos.
O communiocentrismo pretende inspirar cada pessoa a não pensar tanto na planta ou no pobre, quanto no relacionamento a estabelecer com cada um, reconhecendo que não podem ser relacionamentos do mesmo tipo. Por isso, a dificuldade em entender o modo de estabelecer um relacionamento está na multiplicidade de relacionamentos possíveis. Porém, penso que a mecânica quântica pode inspirar-nos a encontrar o sentir universal sobre o modo de estabelecer um relacionamento independentemente do seu tipo.
Carlo Rovelli no seu livro “A realidade não é o que parece” explica uma visão da mecânica quântica, ciência que estuda o mundo ínfimo da matéria, onde o tempo e o espaço não são enquadramentos para a existência das coisas, mas o resultado de interacções quânticas a partir das quais emergem as coisas. Este conhecimento físico é consonante com a intuição metafísica de que a comunhão é o cerne da realidade onde tu, eu, as plantas, a terra, o Sol e todo o universo se inserem. Se a comunhão é a génese do cosmos, por que razão não fazê-la a génese de todo o nosso agir sustentável quando procuramos construir um relacionamento novo com a natureza?