Opinião
05 abril 2022

Imagens e palavras

Tempo de leitura: 4 min
O Papa Francisco confiou às palavras a sua condenação profética da guerra, oferece a mediação da Igreja e faz o que pode para aliviar o sofrimento dos refugiados da guerra.
P. Manuel Augusto Lopes Ferreira
Missionário comboniano
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(© Lusa)

 

As imagens da guerra no coração da Europa, que nos entram diariamente em casa com o telejornal, deixam-nos sem palavras. Diante da morte injusta e do sofrimento inocente, das bombas sobre as casas, das famílias em fuga, ficamos paralisados e mudos. De repente, a nossa História andou para trás, voltámos ao horror e à tragédia, a experimentar a dor e a impotência diante do abuso e da prepotência. Descobrimo-nos frágeis e impotentes perante o mal. De que servem as palavras, quando fazemos nossos a dor e o sofrimento dos outros? Elas exprimem a nossa revolta, mas não aliviam a dor, nem eliminam a frustração interior nem o sofrimento dos outros.

Durante este mês de guerra (escrevemos este texto a um mês da guerra na Ucrânia e no dia em que o papa consagrou a Rússia e a Ucrânia a Maria, a Mãe de Jesus), o vocabulário do Papa Francisco alterou-se e assumiu um registo dramático, que não podemos deixar de trazer para este texto, esperando que, quando o leitor o ler, as armas se tenham calado e o horror da guerra terminado.

O Papa Francisco confiou às palavras a sua condenação profética da guerra, palavras que ele certamente preferia nunca ter de pronunciar e nós de ouvir: uma invasão (da Ucrânia por parte da Rússia), uma agressão injustificada contra a soberania de um país, um horror e um sacrilégio, um abuso dos direitos das pessoas e dos povos, uma violação de acordos e do direito internacional que regulam a convivência entre os povos e as nações; uma barbárie que nenhuma razão pode justificar, um crime contra Deus e contra a Humanidade. São estas as palavras que encontramos na boca de Francisco, a crescer de dramaticidade e clareza, nas audiências das quartas-feiras e nos encontros com os fiéis aos domingos ao meio-dia. Para lá das palavras, ele oferece a mediação da Igreja (até ao momento desejada pela Ucrânia, mas rejeitada pela Rússia de Putin e do patriarca Cirilo) e faz o que pode para aliviar o sofrimento dos refugiados da guerra, mandando ajuda, agradecendo o acolhimento oferecido pelos países, visitando as vítimas (crianças feridas chegadas a Roma), não perdendo ocasião para mostrar a sua apreensão diante do tirano que começou esta guerra fratricida e dos abutres que dela se aproveitarão.

Na condenação profética da guerra não cabe nenhuma palavra de equidistância ou de dúvida e todos fazemos nossas as palavras de Francisco: a pedir o fim da invasão russa e a cessação dos combates, a assistência humanitária à população, o reconhecimento de uma função de interposição atribuída à ONU no cessar das hostilidades e no diálogo para restabelecer a paz, na justiça e no respeito pelos direitos das pessoas e dos povos.

E, para lá das palavras, na angústia e repugnância pelo que sentimos diante das imagens da guerra, não nos resta senão olhar também para nós próprios e reconhecer, como fez o papa na sua oração, que «abandonámos o caminho da paz, atraiçoámos os sonhos de paz dos povos e as esperanças dos jovens [...] que nos deixámos adoecer de avidez, preferindo ignorar Deus e conviver com as nossas falsidades, alimentando a agressividade [...] esquecendo-nos que somos guardiões do nosso próximo e tutores da nossa casa comum».   

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