A evolução no nosso planeta passou por várias fases. Depois da evolução geológica veio a biológica, mas com a emergência do ser humano, essa evolução passou a uma fase que designámos por cultural. A consciência-de-si surge apenas com a nossa espécie como resultado do incremento de complexidade. O jesuíta e paleontólogo Teilhard de Chardin referia que desde as partículas fundamentais, às moléculas, aos organismos celulares, a complexidade parece desembocar na consciência. Para Teilhard significava uma passagem da biosfera à noosfera (esfera do pensamento/consciência). E o biólogo Richard Dawkins introduziu na noosfera uma noção semelhante ao gene para salientar a propagação de ideias originadas pela consciência, a noção de meme. Mas o que é um meme na actual Cultura Digital?
Inicialmente, Dawkins havia proposto um meme como uma unidade elementar de cultura que se espalha de pessoa para pessoa por cópia ou imitação. E a partir do momento em que a Internet (Web 2.0) permitiu a partilha de imagens com menor fricção, com alguma imaginação, sentido de humor e oportunidade, e destreza em programas simples de manipulação de imagens e texto, o meme-internet, é a expressão mais clara da ideia de Dawkins. Mas, de acordo com Limor Shifman, que escreveu ”Memes in Digital Culture”, assim como muitas aplicações na Web 2.0, os «memes difundem-se de pessoa para pessoa, mas formam e reflectem atitudes sociais em geral.» Ou seja, mais do que o conteúdo em si, interessa ler a sua propagação como um reflexo que expressa o que se vive em sociedade. Por outro lado, muitos memes copiam e imitam o original e isso dá trabalho. Logo, por que razão as pessoas se dão a esse trabalho?
O facto da pessoa menos conhecida poder partilhar seja o que for na actual cultura digital, como por exemplo, através um meme, faz com que surjam novas lógicas de participação na evolução da noosfera. Shifman identifica três tipos de lógicas de participação: económica, social e cultural.
A lógica do impulso económico à partilha de um meme baseia-se na economia da atenção. Todo o ser humano sente a necessidade de que o outro o traga à existência através da atenção que lhe dá, mas na actual cultura digital, a ânsia de atenção foi monetizada. Por isso, enquanto que o sistema económico anterior à Era da Informação assentava nas coisas, hoje, nem é tanto a informação em si que tem valor económico, mas o facto das pessoas lhe prestarem atenção.
A lógica do impulso social à partilha de um meme baseia-se na era da acelerada individualização. Com a possibilidade de costumizar o nosso perfil online, cada pessoa procura formar uma identidade digital que, muitas vezes, considera mais real que a sua vida real. Na verdade, a explosão das redes sociais não se deve tanto aos que as programaram e publicaram online, quanto aos que nela constroem a sua identidade, acabando por dar forma à própria rede social. E com um meme, podemos expressar emoções que nos identificam e demonstram o desejo que temos de sermos amados e sentir que pertencemos a uma comunidade (vida digital comum).
A lógica do impulso cultural à partilha de um meme baseia-se na ideia de que os memes estravazam as plataformas que os inspiraram (por exemplo, YouTube), tornando-se – como diz Shifman – em «blocos construtores de culturas complexas». Culturas com práticas que podemos conhecer e compreender analisando o modo como são construídos os memes.
Os memes clamam pela nossa atenção, levam-nos a construir comunidades digitais com uma sensibilidade comum, e podem alterar padrões culturais ao se propagarem rapidamente por um grande número de pessoas, influenciando o modo como pensam e agem. Isso é bom?
Um bom meme dá sempre para relaxar, mas o meu interesse por esta realidade noosférica advém da impressão de superficialidade que sentia em muitos dos memes que me eram dados a conhecer quando alguém deslizava o seu mural na rede social à minha frente.
Na era obesa de informação que vivemos, em grande aceleração no fluir dos conteúdos diante dos nossos olhos, reconheço que um meme pode representar um momento de pausa para pensar sobre um assunto, ou relaxar pela piada que pode conter. Mas a pausa é efémera e não me induz a procurar as razões profundas da ideia que pretende expressar. A pausa de um meme parece dar-nos o surto de dopamina para encetar na procura do próximo meme. E custa-me a crer que uma vida plena e profunda se faça de meme em meme. Estou de acordo com Limor Shifman de que os «memes constituem a partilha de esferas de conhecimento cultural [que] nos permitem disseminar ideias complexas através de frases curtas e imagens.» Mas será que compreenderemos todos os contornos dessas ideias complexas ou o que sentimos será apenas a sensação de compreender? Creio que uma evolução cultural noosférica passa pela profundidade com que pensamos nas coisas e temo que os memes sirvam apenas à propagação de uma vida superficial.