Depois de um tempo que terá sido de descanso, e de férias, para muitos de nós, somos confrontados com o regresso à vida habitual, às rotinas que até nem desejávamos, às filas e ao trânsito. Aos mesmos percursos de todos os dias. Aos internos e aos externos. É como se, depois das férias, tivéssemos uma maior consciência do que já não queremos, do que não nos apetece, do que já devíamos ter mudado. Custa-nos repetir, fazer de novo, voltar aos horários do costume, disciplinar as horas de sono. Tudo nos parece uma travessia no deserto. O ânimo é pouco e, ao longe, ainda sentimos o cheiro do mar da nossa praia, a areia que teima em colar-se à pele, o sol e o sal que parecem ainda não ter saído dos cabelos e do coração.
Tendo consciência da nossa impaciência, do nosso mau feitio, da nossa falta de calma e, até, de empatia, como podemos encontrar alguma esperança que alente este recomeço? Que nos fará sentido fazer para que este retorno não se transforme num pesadelo e numa provação?
Talvez faça algum sentido, antes de pormos os dois pés na engrenagem do costume, criar na nossa agenda, nos nossos dias ou nos nossos fins-de-semana alguns tempos específicos para o descanso, para não fazer, para não produzir, para dedicar vida e horas ao que também queremos, amamos e gostamos.
Talvez seja importante abrir espaço para a esperança de dias melhores, mais cheios de uma maior estabilidade interior (e exterior). Sabemos que mesmo os tempos difíceis não duram para sempre. Sabemos que o que fica adiado um dia terá ainda mais sabor quando for a hora certa. Sabemos que o trabalho, a profissão e a velocidade não são as maiores urgências da nossa vida. Têm a sua importância e o seu papel, mas não podem dominar tudo o que somos. Se assim for, um dia deixaremos de saber que sonhos e que alegrias nos ocupam.
Sabemos que os recomeços são difíceis. Que custa voltar a dar corda ao corpo para o obrigar a fazer o que sempre fez. Mas, enquanto recomeçamos, não desleixemos o tempo para pensar no rumo que queremos seguir. Nos planos novos que nos moram no coração. Ou na certeza dos planos velhos que continuam a criar-nos raízes bonitas do lado de dentro.
Sabemos que este recomeço se complica ainda mais quando, lá fora, ainda há máscaras, perigos, pandemia, sombras e riscos. Mas temos a certeza de que vamos acompanhados nesta tormenta. Temos a certeza de um Céu que desce sobre os nossos planos e medos para nos suportar, apoiar e guiar.
Não recomeçamos sozinhos. E essa certeza acende, por dentro, uma luz que sempre lá esteve, mas que, neste momento, é como se nos iluminasse pela primeira vez.
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