Apreciamos a Natureza pela sua beleza e pelo sustento que nos dá. E a celebração do Tempo da Criação convida-nos a aprofundar o nosso relacionamento com a Natureza, uma vez que através dessa podemos fazer uma experiência particular da presença de Deus. Mas, se a Natureza contém em si uma linguagem através da qual Deus nos fala, seremos capazes de escutar, através dela, o quanto Deus nos diz que ama? Não é fácil.
Se um pôr-do-sol nos deslumbra, um furacão amedronta-nos. Se uma flor nos faz sorrir, uma vespa que zumbe assusta-nos. Como posso escutar Deus a dizer pela Natureza que me ama quando, por vezes, sinto medo e repugnância?
Uma mosca pode importunar, mas, quando vista ao microscópio, pode deslumbrar. Dizia o jesuíta John Needham (1713-1781) que «embora a Natureza, dirigida pelo seu Criador, tenha uma fecundidade que se desdobra para lá das fronteiras da nossa imaginação e é manifestada continuamente por um desenvolvimento sucessivo de corpos organizados, infinitos na sua variedade bem como nos seus números, há, no entanto, uma uniformidade tal em todas as suas produções, que não só a escala das diversas espécies dos seres visíveis é composta de modulações intermináveis e imperceptíveis, como também há uma total harmonia entre os diversos indivíduos de todos os Mundos» (em Deus ao microscópio de Clara Pinto-Correia, Quasi, 2002, p. 32).
Quando Needham usa a expressão «dirigida pelo Criador», é como se Deus fosse mais um maestro do que um designer, imprimindo desde sempre uma fecundidade a toda a Criação. Mas o que me questiono é: como posso viver este Tempo da Criação, de modo que as «modulações intermináveis e imperceptíveis» possam agir dentro de mim, de ti e cada um de nós?
Durante as férias decidi fazer uma longa caminhada para ir levantar uma encomenda em vez de usar o carro. Eram somente sete quilómetros e pelas contas do Google Maps daria 1h45. Pensei que seria uma oportunidade para desfrutar das imperceptibilidades que o relacionamento com a Natureza oferece e pensei ser, também, uma oportunidade para viver um momento a sós com Deus por meio da Natureza, mas não estava a conseguir. De cada vez que passava por uma casa, antecipava o susto de ver um cão a ladrar e de o portão poder estar aberto. Num momento passou por mim um zangão com o seu forte zumbido que me pregou um susto. E quando no final da viagem vi ovelhas a pastar, só pensava: «Onde estará o cão que as guarda?» Apesar de todas as orações bonitas sobre a Criação, nada substitui esta experiência de ultrapassarmos o medo que sentimos pelos caminhos desconhecidos que trilhamos por entre as árvores.
Quando regressava por outro caminho, a um dado momento, abandonei o medo e confiei totalmente na Vontade de Deus. Se isso representasse uma dentada de cão, assim fosse. Mas a experiência mudou. A observação de cada detalhe sem medo levou-me a amar a Criação e, na contemplação, era como se a Natureza respondesse ao meu silencioso amor, recriando-me. Respirei o ar puro e, recriado, continuei a caminhar.
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