Na minha juventude, era escolhido com muita frequência um cântico de cuja letra retiro algumas frases: «Vamos caminhando lado a lado. Somos teus amigos, ó Senhor! A tua amizade é nossa alegria. Por isso Te louvamos com amor. Cristo é o modelo de amizade, [...] Dele recebemos força e alegria. Para nos doarmos como irmãos. Seja o nosso encontro com o Pai. Um sinal da nossa união [...]. Sendo nosso Pai quer ser um irmão.» É um cântico sinodal. A Igreja, no dealbar do Cristianismo, vivia assim. Os cristãos sabiam que tinham recebido o legado de anunciar os valores de um Reino diferente dos reinos deste mundo. Foi para dar a conhecê-lo que Deus, em Jesus Cristo, veio habitar neste mundo (cf. Jo 1, 14). É seu desígnio que este outro Reino seja uma realidade a acontecer, desde já, no meio de nós (cf. Lc 17, 21).
A Igreja, porém, foi-se deixando seduzir pelos poderes deste mundo, configurando-se mais com eles. É verdade que, ao longo da História, têm existido gente e instituições cristãs que procuraram, com a sua palavra e, sobretudo, com o seu testemunho, fazer com que a Igreja penetre mais no Reino de Deus, em que, pelo baptismo, todos os seus membros possuem a mesma dignidade. Uma Igreja em que clérgima (cabeção ou colarinho clerical) não se distingue do capacete do operário, nem o báculo da enxada. Seja «Povo de Deus» regido pelas orientações do Concílio Vaticano II, concretamente, as contidas na constituição dogmática Lumen Gentium.
O processo sinodal em curso não é uma invenção do Papa Francisco, mas a consequência de fazer, como é a sua primordial missão, com que o Espírito fale às Igrejas particulares espalhadas por todo o mundo (cf. Ap 3,6). As evidências desta imperiosa vontade do Espírito Santo estão expressas na síntese corajosa que a Conferência Episcopal Portuguesa fez das auscultações efectuadas nas dioceses e noutros grupos. Foi pena que não desse maior evidência ao dever que a Igreja tem de dialogar mais com o mundo.
Não quero embarcar num pessimismo derrotista, mas não haja dúvidas de quanto maiores resistências houver à renovação da Igreja, mais ela se afastará da sua missão e continuará o mundo a divorciar-se dela. Para que tenhamos uma Igreja sinodal é preciso distribuir poder. Isso é muito complexo. Só se conseguirá com uma maior valorização do laicado, com atribuições decisórias, mas isso dependerá da consciência que os leigos tiverem da sua irrenunciável missão. Só assim se eliminará o clericalismo que afecta também muitos leigos. Há, por isso, um investimento urgente a fazer na formação dos católicos, em todas as vertentes da teologia e assente numa hermenêutica séria. A implementação de uma estratégia de sensibilização e da criação de modelos formativos acessíveis é indispensável. Estará a hierarquia interessada nisso? O seu total envolvimento é indispensável.
Caminharemos juntos e lado a lado, quando os cristãos católicos souberem dar razões da sua fé, da esperança que os anima e da caridade que os credibiliza.
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