Opinião
01 novembro 2022

Cultura da sobriedade

Tempo de leitura: 4 min
O Dia Mundial dos Pobres é um momento oportuno para reforçar o nosso caminho contínuo de conversão.
Bernardino Frutuoso
Director
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No dia 13 deste mês de Novembro, celebra-se o VI Dia Mundial dos Pobres, com o tema «Jesus Cristo fez-Se pobre por vós» (cf. 2 Cor 8, 9). Na sua mensagem para a efeméride – ver páginas 36 a 39 – o papa sublinha que os cenários mais optimistas para o tempo pós-pandemia, que prometiam «alívio a milhões de pessoas empobrecidas», se alteraram com a guerra na Ucrânia e essa tragédia está a agravar as «inúmeras pobrezas» actuais. Inclusive em Portugal, o relatório preliminar de 2022 do Observatório Nacional de Luta contra a Pobreza e Pordata revela que o número de pessoas em risco de pobreza e exclusão social aumentou e afecta 22,4% da população.

Além disso, em Portugal cresce a disparidade entre ricos e pobres: os 20% mais ricos têm um rendimento cinco vezes superior aos 20% mais pobres (Eurostat). Infelizmente, esse cenário de distribuição do rendimento disponível desigual é frequente no mundo. O World Inequality Report 2022, relatório sobre as desigualdades globais produzido pelo World Inequality Lab, um centro internacional de investigação económica e social, expõe, precisamente, a magnitude do crescimento das desigualdades. Os mais ricos aumentaram as suas fortunas e o fosso entre os mais ricos e os mais pobres também aumentou: os 10% mais ricos possuem cerca de 76% da riqueza e os 50% mais pobres cerca de 2% da riqueza mundial.

E neste contexto socioeconómico que gera pobreza e exacerba as desigualdades, o Papa Francisco tem sido uma voz lúcida na crítica dos sistemas económicos vigentes e na procura de alternativas humanizadoras, que favoreçam uma vida digna para todos. Não se cansa de denunciar a instrumentalização do ser humano com base no «paradigma tecnocrático» e defender a mudança do «modelo de desenvolvimento global» (cf. Laudato Si’, 108 e 194), pois o neoliberalismo «não se dá conta de que a suposta redistribuição não resolve a desigualdade, sendo, esta, fonte de novas formas de violência que ameaçam o tecido social» (cf. Fratelli Tutti, 168).

Entre as propostas do Papa Francisco destaco uma via privilegiada para o uso justo dos bens e para o autêntico desenvolvimento sustentável: a sobriedade. A sobriedade, que vivida com liberdade e consciência é libertadora, dá felicidade (cf. Laudato Si’, 223) e permite construir sociedades pautadas por uma solidariedade consciente, duradoura e co-responsável. Sociedades em que se alcance, igualmente, um equilíbrio entre ecologia e sustentabilidade, porque a Mãe Terra não pode suportar que os seus oito mil milhões de habitantes tenham um ritmo de consumo tão elevado (este ano, a Humanidade esgotou os recursos naturais que o planeta pode renovar durante o ano inteiro já no passado dia 28 de Julho).

O Dia Mundial dos Pobres, como explicita o papa, é «uma sadia provocação para nos ajudar a reflectir sobre o nosso estilo de vida». É um momento oportuno para reforçar o nosso caminho contínuo de conversão – nesta linha, o filósofo e ambientalista espanhol Jorge Riechmann afirma que o futuro da Humanidade e do planeta exige políticas de «autocontenção» –, e comprometer-nos na reflexão e adopção de paradigmas inovadores e transformadores, que nos permitam edificar juntos um mundo mais inclusivo, fraterno, justo e sustentável.

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Editorial
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