Como cristãos, começamos o novo ano com esperança, apesar das incertezas que pairam no nosso horizonte. Cada início de ano renova a brisa da liberdade e o desejo da novidade. Mas sentimos que precisamos de dar conteúdos à liberdade, sentido à vida. Sabemos, por experiência, que precisamos de símbolos e sinais para encontrar o sentido e conferir direcção à caminhada, para não acabarmos num beco sem saída ou num vazio de sentido. O papa assegura-nos que se sabemos enfrentar as dificuldades, «com abertura e consciência, podemos sair delas reforçados, sob o aspecto humano e espiritual. Nenhuma dificuldade está acima das nossas possibilidades, nenhuma prova será superior ao que podemos fazer». Um bom augúrio para começar um ano que se afigura difícil.
Os mestres não estão na moda. Os modelos de vida banalizam-se. Ficamos sozinhos com a responsabilidade de dar sentido à nossa caminhada, preencher a nossa vida com os valores que lhe dão sabor, com as escolhas que lhe conferem sentido pleno e direcção certa. Como criaturas à procura de sentido, a liberdade deixa-nos esta responsabilidade de escolher os valores e decidir, através das escolhas que fazemos, a direcção a dar às nossas vidas.
Discernimento é a palavra a que o Papa Francisco regressa amiúde e que precisamos de colocar na bolsa da nossa viagem para este ano; discernir, a começar por dentro, pelos nossos próprios sentimentos e a acabar por fora, pelos acontecimentos que se desvelarão na caminhada do ano. Neste processo de discernir, nada fica de fora, nada se perde, mesmo a desolação e a tristeza que possamos sentir, pelas dificuldades, idade ou problemas de saúde. O papa recorda-nos que «é importante aprender a ler a tristeza e a desolação. Todos nós fazemos a experiência da tristeza, mas sabemos lê-la? Sabemos compreender o que ela significa? No nosso tempo a tristeza é vista como um mal do qual fugir... mas ela pode ser vista, pelo contrário, como uma campainha que nos desperta para a vida, convidando-nos a explorar novas paisagens, mais férteis que a alienação e as evasões em que caímos» (Audiência de 26.10.2022).
A outra palavra que Francisco repete é sair: Igreja em saída, comunidade em caminho, pessoa capaz de sair de si para procurar o encontro com o Outro, com os outros; para abraçar de maneira pró-activa acontecimentos e surpresas do caminho, sem ficar na expectativa e se fechar em si própria.
No início deste ano, damo-nos as mãos e reforçamos a nossa esperança. Até a neurociência vem ao nosso encontro, dizendo-nos que as palavras «são o meio mais importante para nos infundirmos esperança, palavras de conforto, confiança e motivação. Elas são poderosas flechas que atingem objectivos precisos no nosso cérebro, os mesmo que os remédios. As palavras provocam os mesmos mecanismos que os remédios que tomamos; transformam sons e símbolos em flechas que activam o nosso cérebro e a nossa bioquímica, provocando efeitos como os remédios; [...] mas visto que na caminhada da Humanidade as palavras surgiram primeiro que os remédios, é mais correcto dizer que os remédios activam os mesmos mecanismos que as palavras» (Fabrizio Benedetti, La speranza é un farmaco). Feliz Ano Novo, com o remédio da esperança!
|