Opinião
25 fevereiro 2023

Perdão

Tempo de leitura: 4 min
O perdão é vivido como convite amigo do Pai a entrarmos e nos sentarmos à sua mesa, junto com todos os outros membros da família.
P. Fernando Domingues
Missionário Comboniano
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(© 123RF)

 

O perdão é uma das palavras-chave da maneira de viver dos cristãos. Com o tempo da Quaresma, volta à mente a pergunta que uma criança me fez um dia quando eu falava do perdão: «E como é que Deus perdoa?» É que, muitas vezes, pensamos que o perdão é uma espécie de declaração que Deus faz, dizendo-nos que desiste de nos castigar. Mas será que Deus, bom e misericordioso, alguma vez chegue a ter vontade de nos castigar? E Jesus, que deu a vida na cruz «por nós pecadores», poderá alguma vez pensar em condenar-nos pelos nossos erros? Carregar a consciência com sentimentos de culpa, pensando que causamos um grande dano a Deus com as nossas más acções e que Deus precisa de nos fazer pagar pelo mal que lhe fazemos… São pensamentos que ficam muito longe das atitudes que vemos em Jesus, nos evangelhos.

Com a parábola do Filho pródigo (cf. Lucas, 15), Jesus deixa bem claro como Deus responde ao mal que cometemos. O mal é sempre mal e, muitas vezes, estraga a nossa vida e a dos outros: o filho que vivia bem na casa da sua família vai desperdiçar a sua parte da herança e acaba à fome, sozinho e a guardar porcos. Imenso sofrimento também para o pai e o resto da família. Quando decide regressar, o pai – que aqui representa Deus – não o deixa apresentar a lista completa dos pecados, não o interroga para saber se está mesmo arrependido, não investiga as suas intenções para o futuro. Ele sai de casa a correr para ir ao seu encontro, abraça-o, dá-lhe roupa nova e trá-lo para casa, para o sentar de novo no banquete da família e antigos amigos. Não vemos ali nenhuma declaração por parte do pai, nenhuma exigência de garantias para o futuro. O perdão é o carinho que o filho recebe e tudo o que o pai faz para o recuperar. E o gesto principal do pai é convidar a voltar logo à mesa da família.

Nós tentamos viver de novo essa experiência quando celebramos a eucaristia: todos nos confessamos necessitados do perdão de Deus e dos irmãos. Note-se que a liturgia não prevê que alguns (os justos!) fiquem calados quando o presbítero convida: «confessemos os nossos pecados». E o perdão que logo recebemos solenemente através da oração e da imposição das mãos do sacerdote é para todos os presentes, não há distinção entre “pecados grandes e pequenos”.

O perdão é, assim, vivido como convite amigo do Pai a entrarmos e nos sentarmos à sua mesa, junto com todos os outros membros da família. Isto está muito longe de certos rituais que facilmente criam terríveis complexos de culpa que atormentam as pessoas e as mantêm algemadas aos erros que cometeram. Quando Jesus confia aos discípulos o serviço de oferecer o seu perdão, ele fala de «ligar e desligar» (Mateus 18,18). A missão que lhes confia quer dizer que através da fraternidade que vivem e do evangelho que anunciam, eles têm o poder de «desligar» as pessoas do mal, ou de as manter «ligadas», submetidas, se o evangelho da fraternidade e do perdão não for anunciado e vivido.

Com todo o bem que celebrar a confissão pode fazer, e faz, a muita gente, seria uma pena limitar o perdão de Deus a esse momento. O melhor do perdão é aquilo que Deus faz, e que nós fazemos uns pelos outros, para que todos possam sentar-se de novo à mesa fraterna da família de Jesus.   

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