Opinião
21 maio 2023

De trincheiras a pontes

Tempo de leitura: 3 min
Uma comunicação cordial, aberta e acolhedora é uma componente estruturante do que se chama cimento social e este é imprescindível para transformarmos trincheiras em pontes.
Rita Figueiras
Docente da Universidade Católica
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(© 123RF)

 

No âmbito do LVII Dia Mundial das Comunicações Sociais, o Papa Francisco refere na mensagem anual que vivemos um período da História marcado por polarizações. Estes antagonismos, outrora evidentes apenas na política e em períodos eleitorais, estão a galgar o cenário político e a impregnar-se na vida quotidiana.

O problema não está na existência de antagonismos na sociedade: as divergências sempre foram salutares e estruturadoras da vida democrática, pelo que este regime político nunca pretendeu extinguir o conflito. A cultura democrática sempre se caracterizou pela capacidade de transformar inimigos em adversários legítimos, garantindo a todos o direito de defenderem as suas ideias. Este «pluralismo agonístico» manifesta-se, assim, através da aceitação e complementaridade entre propostas distintas, bem como na capacidade de integrar os embates políticos entre grupos com opiniões divergentes. Contudo, nos últimos anos, parece ser cada vez mais difícil enquadrar a crescente animosidade social nos princípios democráticos, assistindo-se a uma reversão destes valores.

O crescimento da polarização afectiva é uma das consequências. Esta caracteriza-se pelo rancor e intolerância exacerbados em relação aos adversários, perspectivando-os como inimigos com os quais não se consegue conviver e se deseja eliminar. Deste modo, os valores democráticos parecem, por si só, incapazes de conter as emoções negativas florescentes, bem como manter a palavra, a escuta e o debate como formas de gerir conflitos sociais. Estas transformações ajudam a explicar porque é que o espaço social está a tornar-se uma esfera de ressentimento, raiva e intolerância.

O ecossistema de comunicação actual potencia este tipo de sentimentos ao alimentar laços negativos entre as pessoas. As tão famosas bolhas digitais, movidas a animosidade, fomentam uma retórica fragmentária e produzem câmaras de eco. Isto quer dizer que promovem a constituição de grupos que pensam de forma semelhante, enquanto paulatinamente instigam a radicalização das suas ideias e, principalmente, a intolerância contra todos os que não são exactamente iguais a si.

Estes desenvolvimentos políticos, sociais e digitais estão a desestabilizar profundamente as sociedades e a contaminar as relações pessoais sem que, na maioria das vezes, as pessoas tenham a noção de como é que elas são transformadas por estes processos. Neste ambiente, a prática da escuta, do diálogo e do consenso não são promovidos, antes pelo contrário: este contexto cultiva a incivilidade e a desumanização. Todavia, se queremos algo diferente, precisamos de agir de modo diferente. Recuperar práticas saudáveis de comunicar não resolve os problemas profundos das nossas sociedades, mas, ainda que não sejam uma via suficiente, são, claramente, uma via necessária: uma comunicação cordial, aberta e acolhedora é uma componente estruturante do que se chama cimento social e este é imprescindível para transformarmos trincheiras em pontes.  

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