Madagáscar é uma ilha (a quarta mais extensa do mundo), localizada no oceano Índico, a aproximadamente quatrocentos quilómetros de Moçambique. Esta antiga colónia francesa, que alcançou a sua independência em 1960, tem uma população de 25,5 milhões de habitantes. É um dos países mais pobres do mundo. Foi nesta ilha africana que o padre Pedro Opeka fundou, com a ajuda da um grupo de jovens, a Associação Humanitária Akamasoa – que em língua malgaxe significa «Os Bons Amigos» –, para servir os mais necessitados e ajudar a erradicar a pobreza.
Pedro Pablo Opeka nasceu em Buenos Aires, Argentina, em 1948, seus pais, Luis Opeka e María Marolt, eram imigrantes eslovenos que chegaram à Argentina em 1948.
Aos 18 anos ingressou no seminário da Congregação para a Missão de São Vicente de Paulo, em San Miguel (Argentina), e dois anos mais tarde viajou para a Europa. Estudou Filosofia na Eslovénia e Teologia na França. Aos 22 anos foi fazer a primeira experiência como missionário, durante dois anos, em Madagáscar.
Em 1975, foi ordenado sacerdote na Basílica de Luján (Argentina) e, em 1976, regressou a Madagáscar, onde foi pároco numa pequena localidade no Sul da ilha.
O padre Pedro permaneceu quinze anos nessa paróquia. Cuidou não só da formação de centenas de grupos de jovens (tanto em espiritualidade como em desporto, já que o missionário era um exímio jogador de futebol), e ajudou a construir escolas, dispensários e igrejas. Em 1989, com a saúde afectada pela malária, foi como formador para o seminário de Antananarivo, a capital do país.
Superar a pobreza
Na capital de Madagáscar, o padre Opeka ficou chocado com a miséria circundante: pessoas que viviam nas ruas e em lixeiras em condições sub-humanas, crianças que lutavam com os porcos por um pedaço de comida. Sentiu que Deus não queria que essas pessoas vivessem nessa situação e ele tinha de fazer alguma coisa.
Numa manhã de 1989, o padre Pedro foi para as colinas de Ambohimahitsy, onde as pessoas moravam em casas de papelão na proximidade da lixeira municipal, num estado que ele descreveria como um verdadeiro «inferno». Os pobres, depois de terem sido expulsos das cidades e campos, viram essas montanhas de lixo como último refúgio. Eles cavavam entre o lixo, com a intenção de encontrar o seu sustento. As crianças dormiam cobertas de moscas. Lá, morriam jovens e idosos, sem que ninguém se importasse em enterrá-los. Violência, prostituição, uso de drogas e alcoolismo eram moeda comum para aquelas pessoas. «Um homem fez-me passar para a sua caixa de um metro e vinte de altura.» Lá, na frente de um pequeno grupo, Pedro disse-lhe: «Se você estiver disposto a trabalhar, eu ajudo-o.» Eles aceitaram a proposta e assim começou «uma história de amor ou aventura divina para sair da pobreza», como o padre Opeka a definiria.
Graças a alguma ajuda, primeiramente recebida de comunidades religiosas locais, o padre Pedro pôde desenvolver a sua ideia que tinha como princípio «ajudar as pessoas a ajudar-se». «A minha luta foi a luta deles: combater a pobreza extrema que gera exclusão, doenças e a morte de crianças devido à desnutrição, por isso criámos fontes de trabalho, até que o Governo se responsabilize por essa injustiça», confessou o missionário numa entrevista.
Solidariedade em acção
Com a colaboração de um grupo de jovens estudantes universitários, nasceu a Associação Humanitária Akamasoa. Conseguiram terras municipais e ajuda financeira para comprar materiais, alimentos, ferramentas e sementes. Um grupo de famílias foi levado para o campo para começar uma nova vida, dando origem à primeira cidade da associação, a que chamaram «Dom do Criador». Com as famílias que permaneceram nos subúrbios da capital, começaram a construção da segunda cidade, chamada Manantenasoa («Lugar da Esperança»), começando a explorar uma pedreira e a construir casas decentes para o povo.
Com ajuda do exterior e o trabalho do povo de Madagáscar, os números expressam o trabalho desenvolvido. Hoje, Akamasoa é uma cidade que possui 18 bairros, três mil casas construídas, 13 mil crianças estudantes, escolas, clínicas, centros de recepção, centros desportivos e locais de trabalho para idosos. Cerca de 3500 pessoas trabalham nas diferentes actividades de Akamasoa, que vão desde pedreiras, agricultura, fabrico de móveis e artesanato, até a prestação de serviços comunitários, nomeadamente nas áreas da educação e da saúde. Cada povoado tem o seu dispensário ou hospital.
Nestes anos, mais de quinhentas mil pessoas passaram pelo centro de acolhimento, onde recebem ajuda temporária e são direccionadas para reorientar as suas vidas.
Jesus Maria Silveyra conta no livro Un viaje a la esperanza (Lumen, 2005), sobre o projecto Akamasoa, que o padre Opeka está convencido de que «é possível vencer a pobreza, é possível devolver aos pobres a sua dignidade de filhos de Deus».
O sonho de Deus e a sua vida de compromisso com os pobres é a garantia dessa certeza: «Vivo entre um povo pobre, que vivia na extrema pobreza, e, com dignidade, com fé, com compaixão, levantamo-nos desta pobreza extrema.» Mas o missionário recusa o assistencialismo – que se justifica no caso de crianças, anciãos e portadores de deficiência –, pois torna a pessoa dependente e Deus deseja que sejamos pessoas livres, não escravos. Por isso, em Akamasoa cada doação que entra tem um destino predefinido e controlável por parte dos seus benfeitores.
O objectivo é que a obra seja auto-sustentável e é isso que impulsiona toda a comunidade a viver na esperança com base nos resultados obtidos, onde cada pedra, porta, quarto, sala ou tecto foi cimentado pelo esforço das pessoas envolvidas no projecto. «Temos de lutar contra o assistencialismo até mesmo na própria família. Porque, de contrário, não deixamos as crianças crescer e acostumamo-nos a receber tudo dos pais. Ajudar alguém sem qualquer exigência é matar o seu espírito de iniciativa», expressa o sacerdote.
O padre Opeka afirma que para combater a pobreza é necessário diminuir as desigualdades e as injustiças. Todavia, considera que não existe uma fórmula mágica para ajudar os pobres a sair da pobreza, mas que se consegue sair «com o coração e a vontade, com muito trabalho e esforço». Destaca que «em todos os países, culturas e civilizações, sempre haverá diferentes gestos, diferentes abordagens, mas todos devem ser ditados pelo amor. Quando o amor nos move, sabemos que escolhemos o caminho certo».
Para o missionário, o único caminho para os pobres e excluídos recuperarem a sua dignidade é o trabalho e a aposta na educação. Nesse sentido, em Akamasoa tudo se orienta segundo essa visão. «Akamasoa baseia-se na alegria, na fraternidade, no trabalho, na luta e, mais importante, na felicidade dos nossos filhos. Em Akamasoa há crianças que viveram uma vida desumana num aterro e agora são verdadeiras crianças», afirma o padre Pedro.
O grande segredo desse trabalho humanitário tem sido canalizar os recursos recebidos em obras concretas e duradouras, gerando, ao mesmo tempo, fontes de emprego para os habitantes das aldeias, mas sem fechar a comunidade. Por isso, muitos dos membros da Akamasoa trabalham fora da associação e milhares de crianças e doentes vindos de fora são cuidados e educados por eles.
Voz profética
O padre Pedro anuncia o Evangelho com alegria. Sublinha que «a missa dominical é uma verdadeira celebração para todas as pessoas porque todos participam. Todos rezamos, dançamos, cantamos em comunhão. É uma expressão de gratidão a Deus por toda a ajuda que ele deu a esse povo de boa vontade». Mas a evangelização expressa-se também na denúncia das injustiças e no trabalho pela dignidade humana de todos, especialmente os africanos. O missionário sonha que «todos nesta Terra, neste planeta sejamos irmãos, que nos ajudemos uns aos outros». E sublinha que «não pode ser que neste mundo onde há tantas riquezas haja tantas pessoas que vivem com fome, é uma injustiça que grita ao céu». Por isso, sublinha o missionário, «eu levanto a voz e grito: basta! Basta de discursos, temos de realizar obras, temos de actuar e ajudar o continente que tem hoje milhões de crianças que estão em perigo e que morrem por razões pelas quais não deveriam morrer!». Por isso dá voz aos que não têm voz e convida as pessoas a serem solidárias, «porque as riquezas que nós temos foram dadas para ser partilhadas, porque o que eu não necessito perde-se, há um provérbio índio que diz isso, porquê guardar algo se há um irmão que o necessita?».
No ano passado, o Papa Francisco recebeu o padre Opeka. Na ocasião, o missionário convidou o Santo Padre a visitar a obra. «Sabendo que os bispos de Madagáscar convidaram o Papa Francisco para visitar a bela ilha em 2019, aproveitei a oportunidade para também o convidar a visitar a aldeia de Akamasoa, que se destacou com trabalho, educação e disciplina que desafiam a pobreza extrema. Vi no rosto do papa um sorriso de consentimento, e lá ele verá a alegria dos nossos filhos e jovens que estão à espera dele de braços abertos», escreveu numa rede social.
O padre Pedro foi nomeado para o Prémio Nobel da Paz em três ocasiões. Mas o «pedreiro de Deus» (um dos vários nomes que lhe deram), considera que o prémio «é-lhe dado pelo povo» com o qual caminha e com o qual continua a lutar, sonhando com um mundo melhor, mais justo e fraterno.