Há três anos, visitei os campos de refugiados sarauís em Tinduf, na Argélia. Lá, tornei-me amiga de uma miúda, a Fatma, de 9 anos. Ela já falava quatro idiomas e eu chorava quase todas as noites ao pensar que ela nunca sairia daquela prisão de areia e pedras.
Regressei a Portugal com muitas histórias para contar e com a convicção de que ia mudar a minha forma de estar e de ver o mundo. Que nunca mais me ia preocupar com coisas supérfluas – e que quase todas as minhas antigas preocupações o eram.
Não cumpri, claro. Pelo menos não mais do que 15 dias.
Mas também regressei (a casa) a sentir-me péssima, por ter gasto mais de mil euros em ir até lá, em vez de os aplicar em painéis solares para lhes enviar, livros para a escola da Fatma ou doar o dinheiro a uma associação de apoio ao povo sarauí.
Regressei (à minha rotina) a saber que não tinha lá ido em viagem solidária, porque não tinha ido lá por eles – e a solidariedade não era isso. Tinha ido por mim, como as centenas de europeus e ocidentais que viajamos cada ano para países subdesenvolvidos para limpar a consciência. Para “dar valor ao que temos”, descobrir que “se pode ser feliz com muito menos”, para nos sentirmos comprometidos com o mundo mais além de onde chegam os nossos olhos e até para construir um eu, uma identidade com a que nos sentimos conformados e um pouco mais em paz.
Voltei com uma mão cheia de histórias para contar e outra cheia de likes em várias fotografias do Instagram.
Voltei a saber o que significa exatamente a pobreza e também a dignidade, voltei um pouco mais consciente do ponto a que chegámos e a questionar com mais frequência como é que foi que chegámos aqui.
Mas, acima de tudo, voltei convencida de que nunca mais voltaria àquele deserto. Nunca mais voltaria a fazer uma viagem solidária daquele tipo. A miséria alheia não é, nem devia nunca ser, uma experiência vital disfarçada de solidariedade ou de aprendizagem para aqueles que não vivem nela.
Anarcoiris Simón (@anairissimon)