Sala de convívio
03 janeiro 2024

Quando íamos para as águas

Tempo de leitura: 3 min
Quando eu era criança (e até para aí aos meus 15 anos) passava todos os verões com os meus tios nas termas de Caldelas, para os lados de Braga. Íamos para “as águas”, como então se dizia.
Alice Vieira
Escritora
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Se calhar é por causa deste vendaval que vai por aí, que desde há dias só falo de água… E, ainda por cima, tenho quase a certeza de que a culpa é minha… Nos dias de grande calor, andei para aí a dizer que este ano íamos ter de pegar na Árvore de Natal e levá-la para a praia. O São Pedro não deve ter gostado e castigou-me… Mas, pronto, é o que se pode arranjar… E sem poder sair de casa, sempre a ver chover do lado de lá da varanda, não penso nem falo noutra coisa.

E lembrei-me que, quando eu era criança (e até para aí aos meus 15 anos) passava todos os verões com os meus tios nas termas de Caldelas, para os lados de Braga. Íamos para “as águas”, como então se dizia. E lá nos enfiávamos todos no carro (um enorme Chrysler…)  deixávamos as Lapas e íamos “para as águas”. Ficávamos no Grande Hotel da Belavista, no alto de um monte — e para mim aquilo era o paraíso. A minha tia, que nunca me deixava estar 5 minutos sozinha, chegava a Caldelas e largava-me, e só me queria ver depois do jantar — e por pouco tempo. Quem ficava comigo era a Rosalina, que me levava com ela a arrumar os quartos, que me dava o almoço e o jantar, que me perguntava sempre “a menina está boinha” — palavra que eu nunca tinha ouvido — punha-me na cama à noite e, de vez em quando, ia ver se eu já estava a dormir ou se necessitava de alguma coisa. Junto ao hotel havia uma capela e o padre também gostava muito de mim. E nunca entendi porque é que as pessoas se riam tanto quando eu, querendo ser educada, lhe perguntava “como está, Sr. Padre, está bom? A sua mulher e os seus filhos estão bem?”

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EDIÇÃO
Novembro 2024 - nº 633
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