Uma porta aberta para a liberdade e a vida!
(Ano A - Páscoa - 4o Domingo)
Para onde é que vamos a partir daqui?
Estamos no quarto domingo de Páscoa, o chamado Domingo do Bom Pastor, a meio do período de 50 dias do tempo pascal. Depois dos três domingos das aparições do Ressuscitado, agora corremos o risco de perder de vista o fio condutor do nosso caminho. Penso que é útil recordar que estamos a caminhar para a Ascensão do Senhor e para o Pentecostes, o ponto culminante do caminho pascal. As leituras dominicais têm como objectivo preparar-nos para estas duas grandes festas. Fazem-no através de três temas, a partir de três escritos:
- na primeira leitura, o tema da IGREJA, com a leitura do livro dos Actos dos Apóstolos: vamos refazer os primeiros passos da Igreja, guiados pelo Espírito Santo;
- na segunda leitura, o tema da VIDA CRISTÃ, com a leitura da primeira carta de São Pedro: como viver como cristãos num mundo hostil;
- no evangelho, uma grande catequese sobre a pessoa de JESUS, através de alguns textos do Evangelho de São João.
Procuremos não perder de vista a unidade e a harmonia das leituras que a liturgia nos oferece para estes domingos.
Em verdade, em verdade vos digo!
O evangelho de hoje começa com esta introdução de Jesus: "Em verdade, em verdade vos digo!"; ou melhor: "Amém, Amém, eu vos digo". É uma afirmação que deve despertar a nossa atenção. É uma expressão que introduz uma revelação, à qual o crente responde com o seu assentimento: Amen!
Esta locução introduz as palavras de Jesus em 49 passagens dos Evangelhos sinópticos (Marcos, Mateus e Lucas) e em 25 passagens do Evangelho de João.
Preparemo-nos para dizer o nosso Amém com os nossos lábios e com o nosso coração!
Eu sou a porta!
"Em verdade, em verdade vos digo: Eu sou a porta das ovelhas". Depois das primeiras afirmações dos versículos 1-5, seria de esperar que Jesus dissesse: "Eu sou o pastor das ovelhas! e tudo teria ficado imediatamente claro. O tema de Deus como Pastor do seu povo está bem presente na Escritura (nos salmos e nos profetas: ver Jeremias 23,1-6; Ezequiel 34,1-31; Isaías 40,10). Assim, esperava-se que o Messias fosse o Grande Pastor. Em vez disso, no estilo enigmático típico do Evangelho de João, Jesus diz: "Eu sou a porta das ovelhas"! Só mais tarde é que diz: "Eu sou o bom pastor" (versículos 11-18). Perguntamo-nos porquê.
De facto, para seguir o Pastor, as "ovelhas" tiveram de ser libertadas dos currais que as mantinham em cativeiro! O primeiro cárcere em que fomos mantidos cativos foi o da morte. Cristo, com a sua morte e ressurreição, abriu as portas do mundo dos mortos e tornou-se a porta da vida. E Cristo quer assumir este papel de porta para proteger o seu rebanho, mas sobretudo para garantir a sua liberdade de movimento: "Se alguém entrar por mim, será salvo; entrará e sairá e encontrará pastagem". Ele vela pelo seu povo, para que as leis ou as instituições não transformem o seu "redil" num lugar de cativeiro ou numa residência de liberdade vigiada, pois ele veio para que tenhamos vida e a tenhamos em abundância.
Podemos perguntar-nos como vivemos, na Igreja, a liberdade e o sentido de responsabilidade que Deus quer para os seus filhos. E se gerimos as nossas relações em liberdade, com a porta do coração aberta para acolher, sim, mas sem aprisionar ninguém.
O Senhor é o meu pastor!... A sério?
O salmo que responde à primeira leitura é o Salmo 22, talvez o mais conhecido e amado do Saltério (a colecção dos 150 salmos): "O Senhor é o meu pastor: nada me faltará". É uma boa ocasião para o rezar, saboreando-o. Mas podemos interrogar-nos também sobre a sua veracidade na nossa vida.
Não nos acontecerá recitar uma paródia deste salmo com a nossa vida? Como aquele drogado de Harlem (Nova Iorque) que o escreveu na parede da sua cela:
“A heroína é o meu pastor, ela sempre me faltará
Ela faz-me dormir debaixo das pontes e conduz-me a uma doce demência
Ela destrói a minha vida e conduz-me pelo caminho do inferno
por amor do seu nome
Mesmo se eu caminhasse pelo vale da morte
Não temerei nenhum mal porque a heroína está comigo
A minha seringa e a minha agulha dão-me conforto”
Por vezes, há "drogas" que nos mantêm acorrentados. E há muitos "ladrões e salteadores" que se dizem pastores. São muitas as sereias capazes de nos seduzir sem esperança, se não estivermos bem agarrados, como Ulisses, ao mastro da cruz!
Os pastores e o rebanho
As imagens do Evangelho de hoje, pastor e ovelhas, rebanho e redil, tão queridas pelos primeiros cristãos (basta ver as representações de Cristo Bom Pastor nas catacumbas), são hoje um pouco estranhas e desagradáveis para nós. E com certa razão, pelo uso que delas foi feito no passado, uma utilização massificante e instrumentalizante, por pastores sem "cheiro a ovelha" (Papa Francisco). Pastores bem longe de chamar cada um pelo nome, de caminhar à frente do seu rebanho, de estar dispostos a sacrificar a vida!
Não estão longe os tempos em que se escrevia: "a Igreja, por sua natureza, é uma sociedade desigual, isto é, uma sociedade composta por duas categorias de pessoas: os pastores e o rebanho... Só no corpo pastoral residem o direito e a autoridade... a multidão tem apenas o dever de se deixar conduzir e de seguir os seus pastores como um rebanho dócil" (Pio X, Vehementer nos). Apesar dos esforços para mudar a mentalidade (dos pastores e do rebanho!), o clericalismo continua a resistir à mudança.
Hoje, Dia Mundial de Oração pelas Vocações, somos convidados a rezar, mais assiduamente e com mais convicção, ao Senhor da messe para que nos dê pastores com os sentimentos de Cristo Bom Pastor!
P. Manuel João Pereira Correia, mccj