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25 maio 2024

Em tudo o que existe, está impresso o nome da Trindade

Tempo de leitura: 10 min
A Santíssima Trindade não é uma festa particular a ser celebrada uma vez por ano, mas é o coração e a raiz da vida cristã.
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Hoje celebramos a solenidade da Santíssima Trindade. Experimentámos a acção salvadora do Pai, do Filho e do Espírito Santo durante os períodos da Quaresma e da Páscoa. Neste domingo, depois do Pentecostes, a Igreja convida-nos a contemplar esta acção amorosa das três pessoas individuais em Deus na sua unidade e sinergia. “Esta festa é como um oásis de contemplação, depois da plenitude do Pentecostes.” (P. Angelo Casati).

A Santíssima Trindade é uma festa relativamente recente. Foi introduzida no calendário litúrgico no século XIV e atribuída ao domingo seguinte ao Pentecostes, considerado o domingo mais adequado, tendo em conta que a Trindade se revelou plenamente com a descida do Espírito Santo. Não estamos a celebrar uma verdade do catecismo, encerrada numa formulação dogmática, nem um mistério enigmático. É uma realidade viva, bela, surpreendente, que está no centro da boa nova do Evangelho e que São João resume na afirmação: “Deus é amor” (1Jo 4,8). 

A Trindade não é uma festa particular a ser celebrada uma vez por ano, mas é o coração e a raiz da vida cristã. Celebramo-la na Eucaristia, que tem tudo a ver com a Trindade. Além disso, é a expressão máxima da vocação do cristão, do seu modo e estilo de vida. Teilhard de Chardin fala de “amouriser le monde”, “amorisar” o mundo!

 O caminho para a fé na Trindade

Todos os cristãos professam a fé na Trindade: “Deus é um só em três pessoas”. Não encontramos esta definição de Deus na Bíblia e as primeiras gerações de cristãos não usavam a palavra Trindade. O primeiro a empregá-la ("Trinitas") foi Tertuliano, um Padre da Igreja (+240). Não se trata, evidentemente, de uma invenção, mas do fruto da sua meditação sobre a Sagrada Escritura. Não faltam alusões a esta verdade de fé no Novo ou Segundo Testamento. Na conclusão do Evangelho de Mateus, que a liturgia nos propõe para hoje, encontramos a fórmula trinitária mais explícita de toda a Sagrada Escritura: “Ide e ensinai todas as nações, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo.” (Mt 28,16-20). Outra encontra-se na saudação final da segunda carta de São Paulo aos Coríntios: “A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós.” (2 Coríntios 13,14).

O Antigo ou Primeiro Testamento foi um percurso lento e progressivo de experiência e conhecimento de Deus que conduziu o povo de Israel à profissão de fé num Deus único. Encontramos esta fé maravilhosamente formulada na primeira leitura de hoje: “Considera hoje e medita em teu coração que o Senhor é o único Deus, no alto dos céus e cá em baixo na terra, e não há outro” (Deuteronómio 4). Podemos imaginar como poderia ser escandaloso, neste contexto, que Jesus se proclamasse Filho de Deus e falasse da pessoa do Espírito Santo. Os primeiros cristãos foram de facto audazes ao dar início à fé na Trindade, que só seria claramente formulada no século IV. Só uma convicção profunda, recebida através do ensinamento e do testemunho de Jesus, os poderia ter levado a tal ousadia. 

Do exterior à intimidade de Deus

A inteligência humana pode chegar à unicidade de Deus (monoteísmo) através da reflexão e da filosofia. É possível a todos chegarem a Deus através da sua epifania na criação. Em contrapartida, só a fé em Jesus nos conduziu à trindade das pessoas no Deus único, pois “a Deus, ninguém jamais viu: o Filho único, que é Deus e está no seio do Pai, foi ele que o revelou” (João 1,18). Não se trata, porém, de um conhecimento teórico ou dogmático, de pouca ou nenhuma utilidade, mas de uma introdução na intimidade de Deus, de uma imersão no imenso e surpreendente mistério de Deus. Dietrich Bonhoeffer escreve: "Não nos interessa um divino que não faça florescer o humano! 

Hoje vivemos projectados para o mundo e para o universo, desejosos - com razão - de conhecer os mistérios do cosmos e da vida. Mas poucos estão interessados em mergulhar no Mistério por excelência! A humanidade sempre procurou conhecer o "cosmos" que traz dentro de si: “Conhece-te a ti mesmo!”. E, apesar dos progressos espantosos das ciências, continuamos a ser um enigma para nós próprios. Só a abertura a Deus e ao seu Mistério pode revelar o homem a si mesmo! 

Este Mistério é a chave para compreender toda a realidade. Bento XVI disse: “Em tudo o que existe está num certo sentido gravado o "nome" da Santíssima Trindade, porque todo o ser, até às últimas partículas, é um ser em relação, e assim transparece o Deus-relação, transparece por fim o Amor criador. Tudo deriva do amor, tende para o amor e se move impelido pelo amor, naturalmente com diferentes graus de consciência e de liberdade.” (Angelus 7/6/2009).

A Trindade, uma exigência de amor

Se, por um lado, o mistério da Trindade é difícil de compreender, porque entra em conflito com a nossa lógica, por outro lado poderíamos dizer que é fácil de compreender, porque é uma exigência do próprio amor. Um Deus unipessoal seria solipsista, como poderia ser amor? Um amor de dois poderia tornar-se um amor de reciprocidade, um amor especular, em que os dois amantes se espelham um no outro. Continua a ser um amor imperfeito. É necessário um terceiro que encarne a diversidade e que obrigue o amor a dois a sair da lógica da reciprocidade para integrar o diferente.

Deus criou o homem "à sua imagem e semelhança" (Génesis 1,26-27), todavia o ícone da Trindade não é o casal, mas a família, isto é, o casal fecundo que acolhe "o outro", que sai da lógica especular. Deus é Família. Neste sentido, é preocupante a actual tendência crescente que se verifica de excluir a possibilidade de ter um filho, seja por constrangimento sociológico, económico ou laboral, seja por opção do próprio casal. A procriação diz algo sobre Deus. A natureza traz em si uma marca trinitária. 

“A forma perfeita de comunhão, que é o símbolo de toda a comunhão, é o "três". […] O cristão deve ter o número três como número sagrado: "A minha fé é três, a minha vida é três"... Porque a fé não é uma coisa e a nossa vida é outra. A nossa vida é "três". Para nós, o número "três" é o objetivo, é aquilo por que temos de lutar. A nossa vida torna-se uma vida pobre e inacabada se não experimentarmos o amor do 'três'” (Cardeal José Tolentino de Mendonça).

Exercício diário de oração para a semana

Fazer o sinal da cruz no início do dia, com uma consciência especial de o viver em nome da Trindade. E no fim do dia, antes de nos abandonarmos ao sono, repeti-lo como uma imersão no infinito Mar de Amor.

Repetir frequentemente ao longo do dia, como o respiro do coração, a doxologia:  Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo.

Rezemos com Santa Catarina de Sena: “Trindade eterna, sois como um mar profundo, no qual quanto mais procuro, mais encontro; e quanto mais encontro, mais cresce a sede de vos procurar. Vós sois insaciável; e a alma, saciando-se no vosso abismo, não se sacia, pois permanece com fome de Vós, sempre mais desejosa de Vós, ó Trindade eterna, desejando ver-Vos com a luz da vossa luz. 

Padre Manuel João Pereira Correia mccj

 

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