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06 julho 2024

O primeiro insucesso apostólico de Jesus

Tempo de leitura: 8 min
O Evangelho de hoje apresenta-nos Jesus na sinagoga de Nazaré, onde leu e comentou as Escrituras. Os seus conterrâneos ficaram mais perplexos do que maravilhados.
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Hoje encontramos Jesus em Nazaré (cf. Marcos 6,1-6). Meses atrás, os seus familiares, preocupados com o que se dizia sobre ele, tinham descido a Cafarnaum, onde Jesus havia estabelecido a sua nova morada, com a intenção (sem sucesso) de o levar de volta para casa. Agora é o próprio Jesus que toma a iniciativa de ir à sua aldeia natal. São cerca de cinquenta quilômetros e uma subida de setecentos metros, por isso não era uma caminhada fácil. 

Porque é que ele faz isto? Podemos pensar em motivações muito humanas, como o rever os seus, estar com os amigos, passar alguns dias de descanso nos ambientes onde cresceu... Mas também haverá outros motivos mais profundos, como apresentar a sua nova família, os Doze, e anunciar a boa nova do Reino também na sua aldeia. Podemos imaginar que a acolhida foi amigável e até entusiástica. Jesus era um deles, certamente querido por todos. A situação, no entanto, mudou radicalmente no sábado, quando todos se reuniram na humilde sinagoga de Nazaré.

Vamos também nós a Nazaré, não como espectadores passivos, mas procurando confrontar-nos com os protagonistas presentes no relato. Pensemos particularmente nos três grupos de pessoas ali presentes: os habitantes de Nazaré, os doze discípulos que acompanhavam Jesus e o grupo de familiares mais próximos, com Maria, a mãe de Jesus, à frente.

Da admiração ao escândalo

Jesus frequentou aquela sinagoga por trinta anos, mas desta vez havia um ar de expectativa particular. A sua fama já se havia espalhado por toda a Galileia e na sua aldeia todos se interrogavam sobre o que estava a acontecer, porque eles conheciam bem Jesus e não conseguiam entender o que se dizia sobre ele. Sabiam que ele não tinha estudado, não era um rabino: como é que ele se apresentava com um séquito de doze discípulos?! Tinha as mãos calejadas de carpinteiro: como é que agora impunha essas mãos sobre os doentes e os curava?! Ele era um deles, de condição humilde, de uma aldeia perdida que não prometia nada de bom: como é que ele se tornara famoso e seu nome era comentado por todos?! Eles conheciam-no bem, mas não o reconheciam de forma alguma como o “profeta de Nazaré”!

“Ele começou a ensinar na sinagoga.” Como era seu costume, precisa o evangelista Lucas, que situa este episódio no início da pregação de Jesus, como seu discurso programático (Lucas 4,16-30). Lucas diz no seu relato que “os olhos de todos estavam fixos nele” (v. 20) e que todos “se maravilhavam das palavras de graça que saíam de sua boca” (v. 22). O início, portanto, parecia prenunciar uma boa acolhida, como acontecera em outros lugares. No entanto, Marcos e Mateus (13,54-58) se expressam de uma forma mais cautelosa, dizendo que as pessoas “ficaram admiradas”. De facto, seus conterrâneos ficaram mais perplexos do que maravilhados. No murmúrio da assembleia emergem (três) comentários de dúvida e desconfiança sobre a origem das suas palavras, sua sabedoria e seus prodígios. Seguem-se (quatro) perguntas retóricas e desdenhosas sobre a sua identidade, profissão, sobre a mãe, os irmãos e as irmãs. “Quem pensa ele que é?”, perguntavam-se entre si. “E ficavam perplexos a seu respeito,” melhor dito, escandalizados. Da admiração passam ao escândalo.

Estamos diante de um emaranhado de sentimentos não fácil de desvendar, uma mistura de maravilha e admiração, de ciúme e inveja, de dúvida e suspeita, de contrariedade e oposição, que se tornam indignação e rejeição. Como explicar esta mudança drástica? Se tivermos coragem de escavar em nosso coração, podemos entender. Os conterrâneos de Jesus são um espelho que reflete muitos dos nossos comportamentos. Quantas vezes também nós fechamos a mente e o coração a uma verdade que nos incomoda, elaborando uma série de raciocínios? Quantas vezes também nós recorremos a preconceitos para neutralizar uma mensagem de novidade que nos incomoda? Quantos de nós acolhemos de bom grado uma “voz profética” que nos questiona e nos coloca em crise? Acolhemos melhor os profetas depois de mortos!

O desconcerto e a consternação do discípulo

O que terá experimentado o grupo dos Doze? O texto não o diz, mas podemos imaginar. Eles também tinham expectativas sobre Jesus. Orgulhavam-se do Mestre e esperavam assistir a mais um de seus sucessos. Portanto, ficaram desconcertados ao ver a reviravolta dos eventos. Tiago de Alfeu e Judas Tadeu, dois primos de Jesus e que conheciam bem o bairrismo de seus conterrâneos, terão lamentado internamente que Jesus tenha citado aquele provérbio popular “ninguém é profeta na sua pátria”. Os outros dez terão ficado desconcertados com esse primeiro insucesso de Jesus, justamente em sua casa. Um fracasso que certamente não esperavam. Eles igualmente terão pensado que Jesus deveria ter sido mais cauteloso, menos franco e mais condescendente. Assim, os discípulos descobrem que a missão de Jesus - e a missão deles - não seria um mar de rosas. E quem sabe se terão pensado na profecia de Ezequiel da primeira leitura de hoje (2,2-5): “É a esses filhos de cabeça dura e coração obstinado que te envio”.

Também nós certamente compartilhamos a opinião dos apóstolos. Diante da oposição e rejeição do nosso mundo, nos perguntamos se a Igreja não deveria ser mais condescendente em certas coisas; se não deveria baixar o padrão de suas propostas; se não deveria actualizar-se, adaptando-se à sensibilidade dos tempos... Na nossa tarefa apostólica, não somos tentados nós também a adequar-nos ao “politicamente correto”?

Uma espinha no coração

O que terá acontecido no coração de Maria, a mãe de Jesus? Certamente um véu de dor e tristeza o envolveu. Talvez lembrou-se da profecia de Simeão: “Uma espada transpassará a tua alma.” (Lucas 2,35). A lembrança daquele sábado cravou-se em seu coração como um espinho.

Esse espinho ainda fere o coração da Igreja, que sofre pelos seus filhos perseguidos, pelos escândalos que mancham seu testemunho, pelo afastamento de tantos de seus filhos e filhas, pela crescente rejeição da mensagem evangélica...

Esse espinho também o sentimos no nosso coração. A nossa fraqueza é para nós motivo de tristeza, sofrimento, empecilho e escândalo. Como Paulo, também nós pedimos ao Senhor que nos libertasse desse espinho, e ele respondeu-nos: “Basta-vos a minha graça; a força se manifesta plenamente na fraqueza.” (2 Coríntios 12,7-10).

 Padre Manuel João Pereira Correia mccj

 

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