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20 julho 2024

Jesus, os discípulos e a multidão

Tempo de leitura: 7 min
A temática principal das leituras da liturgia deste XVI domingo do Tempo Comum poder-se-ia resumir em dois conceitos ou figuras: o pastor e o descanso.
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- Primeira leitura: “Eu mesmo reunirei o resto das minhas ovelhas de todas as terras onde se dispersaram e as farei voltar às suas pastagens, para que cresçam e se multipliquem.” (Jeremias 23,1-6);
- Salmo: “O Senhor é meu pastor: nada me falta. Leva-me a descansar em verdes prados” (Salmo 22);
- Segunda leitura: “Cristo é, de facto, a nossa paz. Foi Ele que fez de judeus e gregos um só povo” (Efésios 2,13-18);
- Evangelho: “Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e compadeceu-se de toda aquela gente, porque eram como ovelhas sem pastor” (Marcos 6,30-34).

Desde o início, pedimos a graça de reconhecer em Cristo o nosso Pastor, o único que nos faz antever a alegria do “Descanso”, meta da existência do cristão e da humanidade. Com efeito, peregrinamos todos no deserto da vida em direção ao descanso da “Terra Prometida”.

Uma fuga fracassada!

O trecho do evangelho narra o regresso dos Doze que Jesus havia enviado em missão no domingo passado. Ouvimos o relato, mas tentemos revivê-lo imaginando a cena. O evangelista nos diz que “os Apóstolos [é a única vez que Marcos os chama de apóstolos] voltaram para junto de Jesus e contaram-lhe tudo o que tinham feito e ensinado”. Assim, na data que Jesus lhes havia marcado, eles se apresentaram, talvez aos poucos, para prestar contas do que tinham “feito” e “ensinado”. O apóstolo sempre retorna ao mandante, à fonte da missão. Jesus ouve-os satisfeito e, notando o cansaço, convida-os a fazer uma pausa: “Vinde comigo para um lugar isolado e descansai um pouco”. Havia, na verdade, muita agitação, com “sempre tanta gente a chegar e a partir”. O Mestre era a atração. Talvez outras pessoas das aldeias que os apóstolos tinham evangelizado quisessem acompanhá-los para conhecer Jesus. O facto era que “eles nem tinham tempo de comer”!

O grupo precisava não apenas de descanso físico, mas também de tranquilidade, reflexão, confronto com Jesus e com os companheiros para avaliar aquela primeira experiência de missão. Ali, corriam o risco de serem dominados pela frenesia do activismo ou de caírem até na armadilha do protagonismo. “Partiram, então, de barco para um lugar isolado, sem mais ninguém”. Diversas outras vezes o Mestre retirou-se da multidão para ficar sozinho com os seus discípulos”. Desta vez, porém, muitos perceberam para onde iam e, a pé, “chegaram lá primeiro que eles. Uma fuga fracassada! Como reagiu Jesus? “Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e compadeceu-se de toda aquela gente, porque eram como ovelhas sem pastor. E começou a ensinar-lhes muitas coisas”.

Tentemos agora colocar-nos no lugar dos três protagonistas desta passagem do evangelho: Jesus, os apóstolos e a multidão.

JESUS “compadeceu-se de toda aquela gente”. Ele comove-se diante da multidão e muda os seus planos. A sua atitude é para nós um duplo desafio. Primeiro de tudo, o seu olhar de compaixão. Tudo nasce do olhar. A nossa visão da realidade depende do nosso tipo de olhar. Cultivar um olhar compassivo é hoje uma prioridade absoluta. Através dos meios de comunicação, vemos todos os dias as multidões que sofrem e corremos o risco de nos acostumar com o sofrimento alheio e de cair na indiferença. O olhar de compaixão deve ser cultivado: como? Prestando atenção aos raciocínios, julgamentos e preconceitos que surgem em nós, anestesiando os nossos sentimentos. E, depois, traduzir a compaixão em gestos de solidariedade, mesmo que nos pareçam uma gota no oceano do sofrimento humano. Diz São Paulo: “Tende em vós os mesmos sentimentos de Cristo Jesus.” (Filipenses 2,5).

Também nos desafia a prontidão com a qual Jesus reage a essa situação. Ao ver aquela multidão, os apóstolos devem ter experimentado irritação, como acontece connosco tantas vezes, quando alguém nos obriga a mudar os nossos planos. Talvez voltemos do trabalho, cansados, desejosos de descansar e, em vez disso, os filhos esperam-nos para brincar, ou o cônjuge espera de nós atenção ou ajuda. Talvez, outras vezes, tenhamos um trabalho a terminar, com o tempo contado, e alguém vem interromper-nos ... Deixar-se interromper para acolher uma pessoa, estar disponível para mudar os nossos planos, dar prioridade ao outro e saber “perder tempo”, tudo isso faz parte da ascese do serviço!

OS APÓSTOLOS “nem tinham tempo de comer”. Muitas vezes, a situação deles é também a nossa. Muito ocupados com os nossos afazeres, arrastados pela frenesia dos nossos dias, corremos o risco de nos tornar espiritualmente desnutridos e, sem percebermos, de sermos sugados pela voragem de uma visão materialista da vida. É essencial cultivar momentos de pausa, de silêncio e de tranquilidade para ler as Escrituras ou um bom livro, para refletir e orar. Além disso, todos devemos ter “um lugar deserto, à parte” onde nos refugiar em certos momentos: uma igreja, um santuário, um parque... E, finalmente, seria oportuno verificar como passamos o domingo, se é realmente um dia de descanso, físico, mental e espiritual.

A MULTIDÃO: “eram como ovelhas sem pastor”. Era a multidão de que falava o profeta Jeremias na primeira leitura (veja também Ezequiel 34), uma multidão sem rumo, uma multidão negligenciada pelos pastores. E quando os pastores não cumprem o seu dever, surgem os ladrões, os bandidos e os lobos que seduzem e exploram o povo, oferecendo ilusões e vendendo vento, e conduzindo as multidões para caminhos de morte.

Nós podemos ser também essa multidão. Em momentos de mal-estar e vazio interior, de cansaço e busca de sentido, de desorientação e confusão, se não estivermos atentos, todos podemos ser encantados pelos flautistas que proliferam em nossa sociedade. Que o Senhor nos momentos de crise faça ressoar em nossos corações o seu convite: “Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos darei descanso.” (Mateus 11,28).

Proposta de exercício semanal: elaborar um plano de descanso (físico, psíquico e espiritual) para este período de “férias”.

Padre Manuel João Pereira Correia mccj

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