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06 outubro 2024

Casamento cristão, uma contracultura?

Tempo de leitura: 7 min
O tema principal que emerge das leituras deste XXVII domingo é o matrimónio. No Evangelho, Marcos (10,2-12) assinala as palavras de Jesus: «Não separe o homem o que Deus uniu».
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Os fariseus, para pôr Jesus à prova, perguntam-lhe "se é lícito um homem repudiar a sua mulher". O divórcio era uma prática comum no Médio Oriente e em todo o Mediterrâneo. Mesmo a Lei de Moisés (Torá) o permitia, por iniciativa do marido, "se acontecer que ela não ache graça aos seus olhos" (Deuteronómio 24,1-4). No entanto, a lei mosaica procurava de certa forma proteger a mulher, obrigando o homem a escrever um ato de repúdio, ou seja, um certificado de divórcio, para permitir que a mulher se casasse com outro.

Quanto às motivações para o divórcio, havia na época duas escolas rabínicas com opiniões muito diferentes. A escola de Hillel interpretava a lei de forma permissiva, permitindo ao homem repudiar a sua mulher por qualquer motivo. A escola de Shammai, mais rigorosa, só o permitia em caso de adultério. 

Jesus não toma partido na disputa rabínica. Ele considera que Moisés fez essa concessão por causa da dureza do coração humano. No entanto, o plano original de Deus para o casal era outro. Deus criou-os homem e mulher, e os dois, unindo-se, tornam-se uma só carne. E Jesus conclui afirmando: "Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o homem não separe o que Deus uniu!".

Em casa, os discípulos interrogam novamente o Mestre sobre este assunto. Jesus reafirma a indissolubilidade do matrimónio, igualando a responsabilidade do homem e da mulher. No texto paralelo de Mateus, os apóstolos reagem com espanto a esta afirmação de Jesus, dizendo: "Se essa é a situação do homem em relação à mulher, não convém casar" (Mateus 19,10). A convivência matrimonial nunca foi fácil! 

Pontos de reflexão 

Uma mudança de época. Assistimos, há algumas décadas, a uma profunda mudança na visão da sexualidade, da identidade de género e da orientação sexual, colocando em crise a instituição social da família. Neste contexto, torna-se muito difícil falar sobre o casal e a união matrimonial, entre duas posições extremas: a tradicional, ligada à cultura patriarcal, e a ideologia de género. Entre as duas posições existe um vasto campo de debate que, para um cristão, não deve ser de crítica e julgamento, mas de respeito e misericórdia.

A visão cristã do casal natural parte do dado bíblico de que a humanidade foi criada à imagem de Deus, segundo Génesis 1,27: "Deus criou o homem à sua imagem; à imagem de Deus o criou: homem e mulher os criou". É, portanto, o "sacramento primordial da criação" (João Paulo II). O sacramento do matrimónio parte mais especificamente do apelo de Jesus ao plano original de Deus: a união indissolúvel do casal homem e mulher. Esta visão é ainda mais enriquecida pelo texto de São Paulo em Efésios 5, que desenvolve o conceito veterotestamentário da aliança esponsal entre Deus e o seu povo, apresentando o casal cristão como um "sacramento" da união entre Cristo e a sua esposa, a Igreja. Muitas vezes, infelizmente, destaca-se o elemento cultural mutável do texto ("as mulheres sejam submissas aos seus maridos em tudo"!), ofuscando o elemento bíblico perene: "Este mistério é grande: eu digo isto em relação a Cristo e à Igreja!" (Efésios 5,32).

O matrimónio cristão é uma verdadeira vocação que é memorial da união esponsal entre Cristo e a sua Igreja, tal como a vida consagrada com o voto de virgindade o é da nossa condição escatológica. A atual crise do "matrimónio na Igreja" pode tornar-se uma ocasião de graça para devolver ao sacramento a sua essência. Naturalmente, esta situação exigirá da Igreja uma capacidade inventiva cada vez maior para encontrar linhas pastorais de acolhimento para outros tipos de união, na linha da misericórdia, tendo em conta que a nossa humanidade é frágil e ferida. 

O casamento cristão tornar-se-á cada vez mais uma contracultura, em contraste com a mentalidade dominante. Também isso pode ser um serviço prestado à sociedade para contrariar a deriva subjetivista de uma sexualidade "faça você mesmo" e de um tipo de união "descartável".

O cristão "não faz por si mesmo"! Não abdica de ter o horizonte ideal evangélico como meta da sua vida. Não baixa a fasquia para poupar esforço. Não se adapta a um estilo de vida em baixa, ao "mínimo denominador comum". E tudo isso apesar da consciência da própria fraqueza, que se torna como um espinho na carne, mas que o leva a confiar unicamente na graça de Deus.

O cristão "não usa e deita fora" nas suas relações pessoais e, ainda mais, na relação matrimonial. Por isso, torna-se um especialista em "reparações". Não descarta, mas repara! Outro nome do cristão poderia ser "reparador de brechas" (Isaías 58,12). Só assim o discípulo/a de Cristo será sal da terra e luz do mundo.

Como alcançar um ideal de amor tão elevado, sem 'se' e sem 'mas'? Talvez também neste caso Jesus nos responda: "Impossível para os homens, mas não para Deus! Porque tudo é possível para Deus" (Marcos 10,27). A vocação matrimonial é realmente um desafio que põe à prova a fé do cristão. Por isso, o casamento cristão só pode ser vivido a três, ou seja, colocando Cristo no centro! Também aqui se realiza, e de forma particular, a palavra do Senhor: "Porque onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, aí estou eu no meio deles" (Mateus 18,20).

Padre Manuel João Pereira Correia, mccj

 

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